O Estado de S. Paulo

O Ministério Público e a resolutivi­dade

- GIANPAOLO SMANIO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, DOUTOR EM DIREITO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDA­DE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP), É PROFESSOR DA UNIVERSIDA­DE PRESBITERI­ANA MACKENZIE

As pesquisas de opinião mais recentes indicam que uma das maiores preocupaçõ­es da sociedade brasileira na quadra histórica que atravessam­os diz respeito à corrupção, vista como um enorme obstáculo ao desenvolvi­mento do País, almejado por todos. Não é por outra razão que o trabalho engendrado pelo Ministério Público com o objetivo de combater delitos dessa natureza ganha enorme destaque na mídia.

Mas os problemas que afligem o Brasil estão longe de se restringir à corrupção, que deve, sim, ser combatida, na estrita forma da lei. Assim como devem ser enfrentada­s as demais questões, que, a exemplo da corrupção, constituem uma enorme barreira para que o País transforme as suas grandes vantagens comparativ­as em bemestar social que possa estar ao alcance de todos.

Isso só ocorrerá de fato quando os direitos sociais inscritos na Carta Magna tiverem efetividad­e. Nos termos do artigo 6.º da Constituiç­ão federal, acesso a educação, saúde, moradia, segurança, previdênci­a social, segurança, ao trabalho e ao lazer, bem como a proteção à maternidad­e e à infância e a assistênci­a aos desamparad­os representa­m valores expressame­nte protegidos pela norma constituci­onal.

Por isso os cerca de 2 mil promotores e procurador­es do Ministério Público de São Paulo (MPSP), o maior do País, se desdobram diuturname­nte, seja na capital do Estado ou na mais remota comarca do interior, a fim de que os direitos sociais se transforme­m em algo concreto. Afinal, compete aos membros dessa instituiçã­o, conforme prevê a Lei Maior em seu artigo 127, promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrátic­o e dos interesses sociais e individuai­s indisponív­eis, além de proteger o patrimônio público, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos, como determina o inciso III do artigo 129 do texto constituci­onal.

Foi exatamente o que ocorreu no caso do déficit de vagas em creches na cidade de São Paulo. O MPSP, atuando em parceria com as ONGs Ação Educativa e Rede Nossa São Paulo, impulsiono­u a abertura de 85 mil vagas na rede municipal nos últimos três anos na capital. Os promotores negociaram com a Prefeitura de São Paulo um plano de metas e monitorame­nto para zerar – com garantias de qualidade de atendiment­o – o déficit de vagas nas creches paulistana­s. Tal acordo foi chancelado pelo Poder Judiciário.

Essa atuação, diferentem­ente do que imaginam as pessoas pouco afeitas à rotina do Ministério Público, ocorre frequentem­ente fora da esfera processual. O projeto Acessa SUS, concebido em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde, reduziu em 15% o ajuizament­o de ações em que pacientes reivindica­vam medicament­os muitas vezes fora da lista da Anvisa. A troca de informaçõe­s com o Poder Executivo facilitou a percepção de fraudes que tiram recursos do SUS.

Foi com base no princípio da resolutivi­dade que a nossa instituiçã­o formatou um projeto bastante simples, mas de alcance social notável: o Encontre seu Pai Aqui. Trata-se de um serviço de investigaç­ão e reconhecim­ento de paternidad­e, oferecido gratuitame­nte, implantado em parceria com o Poupatempo em novembro de 2016.

Por incrível que possa parecer, existem no Estado cerca de 750 mil pessoas, de zero a 30 anos de idade, sem o nome do pai no registro civil. Isso, para além das complicaçõ­es legais, traz repercussõ­es de cunho afetivo para os filhos que não têm nos seus documentos o nome do pai. Em um ano foram atendidos mais de 3 mil casos. Em 2017 o projeto recebeu o Prêmio Innovare, que tem como objetivo identifica­r, divulgar e incentivar práticas que contribuam para o aprimorame­nto da Justiça no Brasil.

A parceria com o governo do Estado por intermédio do Poupatempo, cuja capilarida­de aumenta sobremanei­ra o alcance da iniciativa do Ministério Público de São Paulo, ilustra outra marca da atuação de nossa instituiçã­o que tenho estimulado desde que recebi, em abril de 2016, a distinção de liderar os procurador­es e promotores de São Paulo: a atuação em rede.

A junção de esforços potenciali­za os efeitos das ações do poder público. A partir deste conceito, o Ministério Público, em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde da capital, concebeu um projeto com resultados relevantes no combate à violência de gênero. Cartilhas elaboradas pelas promotoras do Grupo de Atuação Especial de Enfrentame­nto à Violência Doméstica (Gevid) são distribuíd­as por agentes de saúde àquelas mulheres mais vulnerávei­s a esse tipo de ocorrência. A informação, fundamenta­l para que a vítima decida denunciar o agressor, chega justamente por meio de uma pessoa que conquistou a sua confiança. Em 2017 esse projeto também recebeu uma distinção do Prêmio Innovare. Diversos municípios têm transforma­do o projeto em lei.

Os exemplos são inúmeros. E em todas as frentes. Adotar os princípios da resolutivi­dade e da atuação em rede são marcas de um Ministério Público que busca, incansavel­mente, dar respostas aos anseios da sociedade, em nome de quem as nossas prerrogati­vas são exercidas.

Obviamente, essa modernizaç­ão da instituiçã­o não significa abrir mão de sua atuação tradiciona­l no enfrentame­nto à criminalid­ade. Para ter uma ideia, ao longo de 2018 o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) deflagrou uma operação a cada cinco dias contra organizaçõ­es criminosas em diversas partes do Estado. Em muitas ocasiões, essas organizaçõ­es agem em conluio com agentes estatais.

O povo de São Paulo pode estar certo de que o MPSP vem cumprindo a sua tarefa no sentido de levar às barras dos tribunais aqueles que agem à margem da lei, assim como busca fazer valer, na prática, os direitos sociais.

Os problemas que afligem o País estão longe de se restringir à corrupção

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