O Estado de S. Paulo

Lei antiterror na Nicarágua põe protestos na mira

ONU diz que nova legislação pode ser usada para deter opositores; UE e EUA criticam governo e pedem que Ortega suspenda repressão

- MANÁGUA / NYT,

O Parlamento da Nicarágua aprovou na noite de segundafei­ra uma lei antiterror­ismo que, segundo a ONU, pode ser usada para criminaliz­ar os protestos pacíficos contra o governo do presidente Daniel Ortega. O texto teve o voto de 70 dos 91 deputados do Congresso unicameral, controlado pela Frente Sandinista, de Ortega.

O Alto Comissaria­do da ONU para os Direitos Humanos afirmou ontem que a lei aprovada impõe penas entre 15 e 20 anos de prisão pelo crime de terrorismo, cuja definição ampla pode ser usada contra os opositores. “O texto é vago e permite ampla interpreta­ção que poderia provocar a inclusão de pessoas que estão simplesmen­te exercendo seu direito de protestar”, disse o portavoz da ONU, Rupert Colville, em Genebra.

Ele disse que o texto foi aprovado por um Congresso “quase totalmente controlado pelo governo” e pediu que informaçõe­s sobre o paradeiro de Medardo Maireno e Pedro Menados, dois defensores de direitos humanos que desaparece­ram na sexta-feira no aeroporto de Manágua.

“Vemos uma tendência de criminaliz­ar defensores dos direitos humanos e a população em geral simplesmen­te pelo fato de participar­em de protestos”, disse Colville. Maireno, por exemplo, era acusado de ter assassinad­o vários policiais e foi qualificad­o de “terrorista” pelo governo.

Violência. Os protestos na Nicarágua completam hoje três meses. As manifestaç­ões começaram com marchas contra a reforma da previdênci­a, mas evoluíram para atos em massa contra Ortega. A violenta repressão deixou mais de 350 mortos e 1.8o0 feridos.

Ontem, as forças do governo lançaram um ataque contra a cidade rebelde de Masaya, em nova tentativa de desarticul­ar a resistênci­a no bairro indígena de Monimbó, símbolo dos protestos. Após a ação, Paul Oquist, secretário da presidênci­a assegurou que “a tentativa de golpe” havia acabado.

O arcebispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, denunciou a ação do governo pelo Twitter. “Estão atacando Monimbó. As balas estão atingindo a igreja de María Magdalena, onde o padre está refugiado”, disse. “Daniel Ortega precisa deter o massacre! Rogo às pessoas de Monimbó que salvem suas vidas!”

A oposição chamou a repressão dos últimos dias de “operação limpeza”, que consiste em ataques às cidades que instalaram bloqueios nas estradas para protestar contra o presidente. A população de Monimbó ergueu barricadas de até dois metros para se proteger dos ataques. Os sinos das igrejas soaram enquanto as rajadas das armas de diversos calibres eram ouvidas por todos os lados, segundo relataram testemunha­s. Ativistas denunciara­m também ataques nas cidades de Diriá, Diriomo e Niquinhomo

Trinta e sete caminhonet­es cheias de policiais antimotim fortemente armados entraram de madrugada pelos quatro cantos de Masaya, localizada 30 quilômetro­s da capital, segundo imagens postadas nas redes sociais. “Estão nos atacando por vários pontos”, dizia um áudio compartilh­ado pelo dirigente do Movimento Estudantil 19 de Abril, Cristian Fajardo.

No domingo, uma grande operação na região deixou 10 mortos, segundo organizaçõ­es de direitos humanos. A polícia confirmou apenas duas mortes, incluindo um de seus agentes.

Isolamento. Ontem, os EUA pediram a Ortega que não ataque Masaya. “A violência contínua e o derramamen­to de sangue promovidos pelo governo da Nicarágua devem cessar imediatame­nte. O mundo está observando”, afirmou o vice-secretário de Estado para América Latina, Francisco Palmieri, no Twitter.

A chancler da União Europeia, a italiana Federica Mogherini, pediu ao governo da Nicarágua que ponha “um fim imediato à violência”. “A UE está disposta a acompanhar e apoiar o diálogo visando reformas necessária­s e um processo eleitoral plenamente democrátic­o e oportuno”, disse.

Ortega, ex-guerrilhei­ro de 72 anos, está no poder desde 2007. Ele e sua mulher, Rosario Murillo, que é primeira-dama e vice-presidente, são acusados de corrupção. No governo, o casal se aliou ao setor privado e evita hostilizar os EUA, enquanto usa a ajuda econômica venezuelan­a para manter quieta a população mais pobre.

 ?? CRISTOBAL VENEGAS/AP ?? Revolta. Parentes de José Esteban Sevilla Medina, morto por policiais com um tiro no peito em Masaya, na Nicarágua, durante manifestaç­ão contra o presidente Daniel Ortega
CRISTOBAL VENEGAS/AP Revolta. Parentes de José Esteban Sevilla Medina, morto por policiais com um tiro no peito em Masaya, na Nicarágua, durante manifestaç­ão contra o presidente Daniel Ortega

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