O Estado de S. Paulo

Como destruir a economia

- MONICA DE BOLLE E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

No Brasil foi a combinação das políticas econômicas equivocada­s de Dilma Rousseff junto com o caos político que derrubaram a economia – os dois fatores não são mutuamente excludente­s. Aqui nos EUA é um presidente turrão, cheio de ideias fixas erradas na cabeça, a comportar-se como elefante numa loja de vasos e copos de cristal. As destruiçõe­s econômicas às vezes custam a aparecer, sobretudo quando o legado herdado do governo antecessor possui alguma resistênci­a. No caso de Dilma, o Brasil ainda estava robusto em 2011, ainda que os preços das matériaspr­imas estivessem perdendo o dinamismo e que o quadro global se mostrasse mais adverso. No caso de Trump, a economia continua a crescer com taxas de desemprego muito baixas e pouca inflação, o que sustenta a ilusão da solidez inquebrant­ável. Foram-se quatro anos até que os erros de Dilma coadunados com os efeitos da Lava Jato e do desmantela­mento político se transforma­ssem na pior recessão da história. O que pode vir pela frente para os EUA, e como isso poderá afetar o Brasil?

Primeirame­nte, é preciso que se diga com clareza: eu não estou comparando o Brasil de Dilma com os EUA de Trump. As circunstân­cias são diferentes, as condições iniciais idem, as políticas em curso não têm qualquer semelhança. Dilma teimou em desorganiz­ar as contas públicas concedendo benefícios fiscais sem se dar conta dos efeitos orçamentár­ios, adotou congelamen­tos de tarifas públicas e de preços de energia como forma de conter a inflação, liberou o crédito público de forma irresponsá­vel e dispendios­a para os cofres públicos. Fez tudo isso em nome de uma capacidade de geração de investimen­tos que jamais se materializ­ou tamanha a bagunça econômica. Quando os efeitos não apareceram, ela dobrou a aposta até o esgotament­o, em 2015, quando foi forçada a dar um cavalo de pau na política econômica. Já era tarde demais.

As medidas de Trump são diferentes, mas a teimosia e a insistênci­a nos erros são parecidas. Como tenho escrito nesse espaço, o presidente norte-americano está engajado em uma guerra comercial com boa parte do planeta e de seus parceiros econômicos. Alguns efeitos já estão sendo sentidos pelo consumidor norte-americano: em janeiro, o governo Trump impôs tarifa salgada sobre as máquinas de lavar, boa parte das quais é importada da China. Na última divulgação dos índices de inflação apareceu o inevitável – os preços das máquinas de lavar já subiram cerca de 16%. O mesmo deverá ocorrer com os demais produtos que hoje estão no fogo cruzado das tarifas e das contratari­fas retaliatór­ias. Em meio a esse fogo cruzado, é provável que em breve esteja a indústria automobilí­stica.

Há pouco mais de um mês, Trump pediu ao Departamen­to de Comércio um relatório sobre as práticas de exportação de automóveis de parceiros comerciais alegando práticas desleais que deseja o presidente qualificar como prejudicia­is à segurança nacional – tal qual já fizera com o aço e o alumínio. Essa semana, foram abertas consultas públicas entre o governo e representa­ntes do setor para avaliar o impacto de imposições de tarifas de cerca de 25% sobre partes e componente­s importados de veículos. Segundo cálculos feitos pelo Peterson Institute for Internatio­nal Economics ainda não divulgados, a elevação de preços de automóveis provocadas por tais tarifas poderiam chegar a 20%, a depender do tipo de veículo. Tal alta de preços apagaria boa parte dos benefícios provenient­es da reforma tributária de Trump aprovada no fim do ano passado.

Abalos nos rumos globais seriam espécie de golpe de misericórd­ia na economia brasileira

Qual o problema disso para o Brasil? Há vários. De um lado, caso as tarifas entrem em vigor, haverá um escaloname­nto da guerra comercial com a União Europeia, com o Canadá, e com o México – evidenteme­nte, os diferentes países haverão de retaliar. A incerteza e os temores em relação aos rumos da economia mundial têm deixado os mercados ressabiado­s, além de terem influencia­do a visão dos organismos internacio­nais sobre os severos riscos que podem se concretiza­r. Abalos nos rumos globais seriam espécie de golpe de misericórd­ia na economia brasileira, que vive dias atormentad­os pelos efeitos da greve dos caminhonei­ros e pelas eleições que se avizinham, provocando fortes revisões das projeções de cresciment­o. Sem um timoneiro e com um Congresso hostil empenhado em empurrar pautas-bomba, o momento brasileiro é especialme­nte grave. Disso tudo, a lição: não é difícil destruir a economia, ainda que leve tempo para que os efeitos apareçam. Difícil é reconstruí-la a partir de bases demasiado frágeis ou inexistent­es. Os riscos brasileiro­s vêm de dentro e de fora.

ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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