O Estado de S. Paulo

Em novo livro, David Sedaris está menos disposto a arrancar risos

Mais reflexivo e sério, autor fala em ‘Calypso’ sobre a mãe agressiva e alcoólatra e o suicídio da sua irmã Tiffany

- Sarah Lyall NYT / WASHINGTON TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO /

David Sedaris estava ouvindo as perguntas do público após uma sessão de leitura no Kennedy Center no mês passado, quando, de repente, a noite tomou um rumo alarmante. “Como está Hugh?”, alguém perguntou, referindo-se a Hugh Hamrick, o namorado de Sedaris, que desempenha o papel fundamenta­l de pessoa normal residente no universo alternativ­o distorcido de Sedaris.

Mas ao fazer uma pausa, Sedaris parecia chocado. Sua voz tremeu. “Não estamos mais juntos”, disse ele. Um suspiro de consternaç­ão varreu o auditório com mais de 2.000 pessoas, enquanto o autor – tão inabalável, aparenteme­nte tão determinad­o, tão sombriamen­te humorado, e ao mesmo tempo tão constante em seus arranjos domésticos – começou a perder o controle, bem na nossa frente. “Sinto muito, tudo é ...” E ele não conseguiu continuar.

Nesse momento havia pessoas na plateia que estavam chorando e Sedaris parecia muito mal. Até que não mais. (Nós deveríamos imaginar que isso iria acontecer.)

Foi aí que ele abriu um enorme sorriso e afirmou: “É brincadeir­a. Ele está ótimo”.

Sedaris vem brincando com nossas cabeças há mais de 25 anos, desde que começou a ler suas anotações na National Public Radio. No segmento que lhe deu fama, Adventures in SantaLand (Aventuras na Terra de Papai Noel), contou que em tempo difíceis teve de trabalhar, na época do Natal, como duende em uma loja de departamen­tos. Foi quando Sedaris lembrou ter dito a uma criança rebelde que, se ela não se comportass­e, Papai Noel roubaria tudo o que havia em sua casa, incluindo toalhas e eletricida­de.

Seu primeiro livro foi uma coletânea de ensaios chamada Barrel Fever. Assim como seu autor, com sua aparência enganosame­nte benigna e inócua, o livro tinha a força furtiva de uma pimenta Jalapenha disfarçada de pimentão.

Agora ele está prestes a publicar seu novo livro, Calypso, que reflete suas preocupaçõ­es habituais: os laços entre irmãos, os desafios e confortos da vida doméstica, o que o tempo suaviza ou deteriora, a confusão geral do mundo, o extremamen­te estranho senso de humor de sua família. Mas Calypso revela também que, nos últimos tempos, Sedaris anda mais reflexivo, mais sério e um pouco menos inclinados a fazer qualquer coisa por risadas. Ele está com 61 anos agora, e a vida começa a ficar mais pesada.

Sua carismátic­a, mordaz e amargament­e inteligent­e e falecida mãe é revelada no ensaio Por que não você está rindo? como sendo uma alcoólatra raivosa que constrangi­a a agredia sua família, que se recusava a reconhecer o que acontecia. Já no ensaio Agora Somos Cinco, relata de forma pungente o suicídio de sua irmã problemáti­ca Tiffany.

Mas as vicissitud­es de sua vida não são tão diferentes das de qualquer pessoa, mesmo que o olhar de Sedaris para os detalhes e o modo de processar o mundo sejam totalmente peculiares. E um de seus dons como escritor é sua capacidade de se movimentar com tanta facilidade entre o profundo e o comum.

“Em muitas das histórias, nada de grande acontece. Passei uma semana na praia com minha família, mas não foi como se alguém sofresse um acidente de carro ou alguém invadisse a casa e roubasse coisas. Mas ainda assim parecia uma história para mim. Você sabe, como a vida parece uma história.”

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