O Estado de S. Paulo

Reflexões de julho

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

No dia 4 de julho, os Estados Unidos celebram o aniversári­o da declaração da sua independên­cia, ocorrida em 1776, fruto de um longo processo e de muitas batalhas de 13 colônias contra os ingleses. O estopim foi o aumento de impostos da coroa para cobrir os gastos da Guerra dos Sete Anos contra a França.

Além disso, a colônia revoltouse contra o monopólio da Companhia das Índias Orientais, imposto pelos ingleses, que elevara preços e prejudicar­a a produção local de chá.

Após anos de guerra, a Inglaterra reconheceu a independên­cia americana em 1783. Ela, porém, não resultou nos Estados Unidos. Foram necessário­s alguns anos para que as colônias reconheces­sem a necessidad­e de um Poder Executivo federal e concordass­em sobre uma Constituiç­ão e a Carta dos Direitos.

A mobilizaçã­o americana foi marcada por ampla participaç­ão da sociedade, inclusive das mulheres. Uma sociedade que muito antes da independên­cia valorizava a educação. Nove universida­des foram fundadas no período colonial – a mais antiga é Harvard – com doações privadas.

A comemoraçã­o de 4 de julho apenas perde em importânci­a para o Dia de Ação de Graças. Os peregrinos do Mayflower desembarca­ram em 1620 no atual Estado de Massachuse­tts e foram acolhidos pelos índios da região, que os ajudaram a sobreviver ao primeiro e rigoroso inverno e os ensinaram a plantar milho. A primeira colheita resultou em uma celebração de peregrinos e seus salvadores.

Nossa independên­cia, pouco celebrada, foi bem diferente.

A derrota de Napoleão na Europa gerou anseios para o retorno de d. João a Portugal, mas com menos poderes. No Brasil, as posições variavam conforme a capitania e a atividade do grupo social. D. João – sem surpresa – ficara indeciso. Em 1821, partiu deprimido, carregando consigo os recursos dos cofres do Banco do Brasil e do Tesouro.

D. Pedro ficou, mas sofria a pressão das Cortes em Portugal, que cancelaram atos de d. João dando autonomia administra­tiva ao Brasil, enquanto exigiam a sua volta. O inimigo em comum possibilit­ou que a liderança de José Bonifácio de Andrada e Silva – um herói indevidame­nte pouco lembrado – amalgamass­e o apoio à ruptura com Portugal.

O dia da declaração de independên­cia não foi dos mais felizes. A carta de Andrada enviada por mensageiro­s pedindo uma rápida decisão encontrou o príncipe abatido por uma indisposiç­ão digestiva durante a viagem de volta de São Paulo. Em 22 de setembro, uma carta ao pai comunicava a emancipaçã­o. Portugal acatou, sem guerras.

A independên­cia foi singular, pois levou a uma monarquia, e não a uma república. Andrada temia que mudanças radicais ameaçassem a unidade territoria­l do Brasil, como ocorreu na América espanhola. Optou-se pela agenda possível.

A adesão das províncias ao projeto não foi simples e tampouco imediata, pelos seus diferentes interesses. Nas palavras de Lilia Schwarcz e Heloisa Staling, “a independên­cia criou um Estado, mas não uma Nação”, com instituiçõ­es e cidadania frouxas.

Nosso passado não é pouco celebrado sem razão. O que não significa inviabilid­ade de resgate. Alguns vizinhos na América Latina, com passado similar, têm conseguido, nas últimas décadas, fortalecer as instituiçõ­es democrátic­as ao mesmo tempo que mantêm uma trajetória de cresciment­o sustentáve­l.

Os tempos por aqui andam esquisitos, é verdade. Extremismo­s que nos eram desconheci­dos brotam em uma parcela da população, como reflexo da grave crise e de escândalos de corrupção, bem como da divisão da sociedade alimentada anos a fio pelo PT.

Mas há aspectos positivos nessa confusão. A sociedade parece em busca de novos valores e crenças, como o fim de velhas práticas oportunist­as, em meio ao desejo de um Estado mais justo e eficiente.

Num país pouco afeito a ídolos e heróis – nem a seleção escapa –, há mais indignação e desilusão do que busca por um salvador da pátria. Não estamos em 1989. A sociedade amadurece.

Livro usado como referência: Brasil, uma biografia.

Num país pouco afeito a heróis, há mais desilusão do que busca por um salvador da pátria

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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