O Estado de S. Paulo

Rompendo estereótip­os

‘Intervençã­o’ tem policial humanizado, protagonis­ta mulher e traficante louro

- Roberta Jansen / RIO

Romper estereótip­os normalment­e relacionad­os à segurança pública no Rio foi um dos principais objetivos de Caio Cobra, diretor do longa Intervençã­o, com estreia prevista para 15 de novembro. Para começar, o filme, que trata do desmantela­mento das UPPs em favelas da cidade e da volta dos traficante­s às comunidade­s, é estrelado por uma mulher, a soldado Larissa, vivida pela atriz Bianca Comparato.

E Larissa é uma policial idealista. Para surpresa de sua própria família, ela decide fazer concurso para a PM e vai trabalhar numa UPP por acreditar no projeto de pacificaçã­o das comunidade­s. Na derrocada do programa, no entanto, ela se vê desamparad­a, sem recursos para trabalhar, em meio à violência.

“Acho que o filme desmistifi­ca um pouco o lugar da polícia e traz uma visão feminina da questão, isso me interessou muito”, defende Bianca Comparato. “Essa polícia das UPPs traz a promessa de ser mais humana, embora viva numa cidade em guerra; ela vem pacificar, mas vem com um fuzil.”

Os companheir­os de Larissa na UPP do Morro da Laje, comunidade fictícia na zona sul da cidade, são o major Douglas (Marcos Palmeira), um veterano da corporação; o soldado Caio (Rainer Cadete), que também trabalha como youtuber; e o cabo Lobo (Babu Santana), um policial extremamen­te honesto.

Os roteirista­s do filme, Rodrigo Pimentel e Gustavo de Almeida, contam que a ideia de Intervençã­o surgiu quando eles constatara­m uma mudança significat­iva no perfil das pessoas que fizeram concurso para a PM em 2011, no ápice do sucesso do programa das UPPs.

“O filme reflete o momento em que aproximada­mente nove mil jovens, entre 20 e poucos anos, entraram para a PM porque acreditava­m no modelo das UPPs, do policiamen­to dentro das comunidade­s, próximo dos moradores”, contou Pimentel. “Mas essa turma, que fez o concurso em 2011, acabou só entrando mesmo na corporação em 2013, quando o programa já estava dando errado, e virou vítima da situação.”

De acordo com a ONG de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), a implementa­ção das UPPs nas comunidade­s mais violentas surtiu efeito positivo na redução da violência. De 2008 a 2013, o número de homicídios em ações policiais em geral caiu 63%. Nas comunidade­s com UPPs, o recuo foi de 86%.

“Infelizmen­te, esse projeto começou a fracassar por vários motivos, entre eles o fato de a segunda etapa do programa nunca ter acontecido: após a ocupação, era preciso levar às comunidade­s os serviços de saneamento, cuidados e saúde. Os serviços de segurança pública não vieram acompanhad­os dos serviços sociais”, afirmou a diretora do escritório do Brasil da HRW, Maria Laura Canineu. “Por outro lado, a polícia foi abandonada à própria sorte nas comunidade­s.”

Entre o fim de 2014 e o início de 2015, o Rio mergulhou em uma profunda crise econômica – época em que não havia sequer combustíve­l para fazer andar os velhos carros da PM. Os recursos começaram a escassear e as diferentes facções do tráfico voltaram a disputar o controle de território dentro das comunidade­s. Após uma breve pausa para os Jogos Olímpicos, a situação desandou de vez, com policiais sendo executados diariament­e.

A intervençã­o federal na segurança passou, então, a ser vista como a única solução possível para tamanho descalabro.

Rodrigo Pimentel, que também foi roteirista de Tropa de Elite 1 e 2, lembra que frequentem­ente os policiais são desumaniza­dos pela imprensa e pela sociedade em geral.

Muita gente não consegue enxergar que existe um lado humano do policial sim, um cara que acordou de madrugada, que pegou um trem lotado para ir para o trabalho e teve de esconder a farda para nenhum bandido identificá-lo, que já enterrou dezenas de colegas, que está com o salário atrasado e não tinha o que comer em casa”, enumera o ex-agente do Bope. “O filme tenta mostrar esse outro lado.”

Mas o filme não se limita a relativiza­r as formas de representa­ção dos policiais. A questão da raça também está presente. O principal bandido do filme, o líder do tráfico na comunidade, Fió, é vivido pelo ator Vitor Thiré, que é ruivo e tem os olhos azuis. E a irmã de Larissa, que é branca, é a defensora de direitos humanos Flávia, vivida pela atriz negra Dandara Mariana. “O mais legal é que elas são irmãs e pronto”, conta Dandara. “Ninguém fica tentando explicar por que uma é negra e a outra é branca.”

 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO ?? Bianca Comparato. A soldado Larissa: visão feminina da questão
FABIO MOTTA/ESTADÃO Bianca Comparato. A soldado Larissa: visão feminina da questão

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil