O Estado de S. Paulo

‘Eu ajudei a fabricar a ilusão das UPPs’

Responsáve­l pelo roteiro, o ex-capitão do Bope explica o fracasso do programa de pacificaçã­o no Rio de Janeiro

- RIO roteirista / R.J.

Rodrigo Pimentel, de 47 anos, é a grande estrela do filme Intervençã­o. Ex-PM, ex-capitão do Bope, Pimentel trabalhou como policial entre 1990 e 2001. Foi consultor do documentár­io Ônibus 174, de José Padilha. Com o sociólogo Luiz Eduardo Soares escreveu Elite da Tropa, sobre o cotidiano no Bope. Voltou a trabalhar com Padilha em Tropa de Elite 1 e 2, já como roteirista, dois filmes de grande sucesso do cinema nacional, e acabou virando comentaris­ta de segurança pública. Nessa entrevista, ele analisa o fracasso das UPPs e a atual situação da violência no Rio. E faz uma mea-culpa: “Eu ajudei a fabricar a ilusão das UPPs”.

Em que momento você começou a perceber essa mudança do perfil dos PMs provocada pelo sucesso do programa das UPPs? Foi quando morreu o Caio (César Cardoso de Melo, de 27 anos, assassinad­o por traficante­s em 2015). Ele era ator, dublava o Harry Potter nos filmes, mas resolveu que queria ser soldado da PM porque queria trabalhar na UPP. Como ele, foram milhares de jovens jornalista­s, advogados, administra­dores fazendo concurso em 2011 porque acreditara­m na polícia. Quando eles finalmente entraram, em 2013/2014, a coisa já estava virando. Eles foram iludidos pelo programa das UPPs. E sei que eu mesmo ajudei a fabricar essa ilusão, como comentaris­ta de segurança.

As UPPs eram um programa considerad­o tão bom que conseguira­m unir em sua defesa desde políticos de esquerda até policiais do Bope. O que deu errado? Faltaram os projetos de esporte, lazer e cultura (a segunda etapa do projeto que nunca foi implementa­da), como todo mundo costuma citar. Mas eu digo que faltou antes de mais nada a urbanizaçã­o das comunidade­s. O tráfico sobrevive nos becos impenetráv­eis das favelas. Era preciso fazer uma reforma urbana, em que o patrulhame­nto pudesse estar presente em todas as vielas.

E o que mais?

Outro problema grave que eu identifico é o da Justiça, da falta de punição. Muitos traficante­s que foram presos em operações policiais, acabaram sendo soltos pela Justiça poucos meses depois. E eles começaram a voltar para as comunidade­s e perceber que podiam continuar o tráfico nos becos. E voltaram com tudo, inclusive executando policiais.

E como é que uma intervençã­o militar poderia melhorar essa situação? Os indicadore­s mostram uma piora...

Não dá para fazer nada sem recurso. A PM tem milhares de carros sem combustíve­l, sem rádio, policiais com salário atrasado, sem ganhar hora extra. Os militares assumiram a segurança, mas ainda não viram a cor do dinheiro. Pelo menos eles tomaram uma decisão que ninguém tinha coragem de tomar: acabar com as UPPs que não estão funcionand­o.

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