O Estado de S. Paulo

Símbolos

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Deu confusão, nos Estados Unidos, a decisão de jogadores negros do “football” lá deles de não ficarem eretos – e muito menos com a mão sobre o coração – quando tocava o hino nacional antes dos jogos, na temporada passada. Os jogadores se ajoelhavam durante o hino, em sinal de protesto contra nada muito específico, além das agruras e injustiças, históricas e atuais, sofridas pela comunidade afro-americana. Anos atrás, numa Olimpíada, dois atletas negros americanos, na hora de receberem suas medalhas, ergueram os punhos desafiador­amente, numa saudação ao movimento “black power” que crescia nos Estados Unidos. Os dois foram criticados por ignorar a determinaç­ão de não misturar política com esporte e contrariar o “espírito olímpico”. Não apareceu muita gente disposta a defendê-los.

Entre o protesto naquela Olimpíada e os jogadores ajoelhados contra o hino muita coisa mudou, para melhor, nas relações raciais americanas, mas muita coisa continua igual. É contra essa persistênc­ia que cresce a revolta. Os donos de clubes não sabem como lidar com o problema. Não podem obrigar seus enormes e bem pagos atletas a respeitar os símbolos da pátria como crianças numa escola. O presidente Trump, que mal disfarça seu racismo, já chamou os ajoelhador­es de traidores. Nos jogos, a grande maioria do público vaia os rebeldes, antes de começar a torcer por eles no jogo.

Não passou despercebi­da a imagem de três ou quatro jogadores negros da França, depois do jogo final, correndo no campo com bandeiras francesas desfraldad­as. Muitos jogadores da França são filhos de imigrantes, outros nasceram em ex-colônias francesas, com razões de sobra para ver na bandeira tricolor um símbolo do imperialis­mo e da discrimina­ção que ainda sofrem num país com pecados racistas no seu passado. Mas a maioria viu na bandeira um símbolo de integração, e uma resposta a gente como Le Pen, que sempre disse que a seleção da França precisava de um branqueame­nto para dar certo.

E o Brasil? Nosso único problema com os símbolos da pátria é que nenhuma banda ainda se deu conta que o hino brasileiro tem duas partes.

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