Noma inverte a lógica do prato
O novo menu do Noma, em Copenhague, é vegetal mas não serve aos vegetarianos. O que o chef do restaurante eleito quatro vezes como o melhor do mundo está fazendo para mostrar uma nova maneira de valorizar vegetais é colocá-los no mesmo prato que as proteí
O menu do reino vegetal, lançado há três semanas no Noma, o premiado e revolucionário restaurante de René Redzépi, em Copenhague, que foi quatro vezes eleito o melhor do mundo, é um fato novo relevante na cena gastronômica internacional. A ideia por trás desse novo cardápio é que a valorização de legumes, verduras e grãos não seria completa se o menu fosse... vegetariano. Para que o público compreenda o valor e as possibilidades do vegetal, René Redzepi resolveu colocá-lo no centro de suas criações. E para deixar isso evidente, usa pequenos complementos de ingrediente animal. O negócio é o seguinte: a posição de acompanhamento ou ingrediente de um molho, por exemplo, geralmente reservada aos vegetais, é transferida aos animais. É assim que uma gota de creme ou um caldo de carne reduzido fazem as vezes da salsinha que enfeita pratos de proteínas convencionais.
É dessa forma que se consegue superar os preconceitos que enxergam a cozinha de base vegetal como uma cozinha de privação, de renúncia.
Redzepi diverte-se ao usar um toque de manteiga noisette no micro-recheio dos cogumelos morchellas, a gema de ovo no molho de uísque servido com flores fritas de cravo amarelo (flor-dos-mortos), fragmentos de gafanhoto no mole de nozes com pétalas de rosa grelhadas, ou uma camada de leite frito para apoiar as surpreendentes trufas em conserva. Com algumas exceções, a técnica é colocada a serviço do aproveitamento completo do ingrediente.
Se for para escolher um destaque entre as vinte etapas do menu vegetal, ficaria com o excepcional shawarma da foto ao lado (por aqui mais conhecido como churrasquinho grego). Carne? Não, ele é feito com fatias de aipo-rábano entremeadas com lascas de trufa. Um preparo longo que envolve marinada, infusão e caramelização.
O restaurante de René Redzepi fechou por um ano, mudou de endereço e reabriu em fevereiro de 2018. Agora são três menus por ano, todos sazonais: um focado em pescados e frutos do mar, no início do ano; um baseado em vegetais, no verão; um com prioridade em carnes e caça, a partir de outubro. Sessenta pessoas cuidam dos quarenta e dois fregueses que conseguem reserva. A lista de espera vai até dezembro de 2018.
Do velho Noma permanecem espírito e estilo. E o convívio com uma equipe que não aparenta estresse, apesar do rigor obsessivo de sua rotina. Mas o novo Noma vai bem além. O que está fora dele é agora tão importante quanto o que está dentro. A bucólica inserção urbana é única: hortas, estufas, matinhos, lago. Estacionamento? Só para bicicletas. Porque o Noma não se enxerga como uma bolha: sua capacidade de oferecer acesso aos tesouros da biodiversidade depende também do estilo de vida que as pessoas mantêm no dia a dia. E busca proporcionar uma experiência em que afinar a consciência é também um ingrediente da sensação de harmonia.