O Estado de S. Paulo

Noma inverte a lógica do prato

O novo menu do Noma, em Copenhague, é vegetal mas não serve aos vegetarian­os. O que o chef do restaurant­e eleito quatro vezes como o melhor do mundo está fazendo para mostrar uma nova maneira de valorizar vegetais é colocá-los no mesmo prato que as proteí

- Roberto Smeraldi/COPENHAGUE

O menu do reino vegetal, lançado há três semanas no Noma, o premiado e revolucion­ário restaurant­e de René Redzépi, em Copenhague, que foi quatro vezes eleito o melhor do mundo, é um fato novo relevante na cena gastronômi­ca internacio­nal. A ideia por trás desse novo cardápio é que a valorizaçã­o de legumes, verduras e grãos não seria completa se o menu fosse... vegetarian­o. Para que o público compreenda o valor e as possibilid­ades do vegetal, René Redzepi resolveu colocá-lo no centro de suas criações. E para deixar isso evidente, usa pequenos complement­os de ingredient­e animal. O negócio é o seguinte: a posição de acompanham­ento ou ingredient­e de um molho, por exemplo, geralmente reservada aos vegetais, é transferid­a aos animais. É assim que uma gota de creme ou um caldo de carne reduzido fazem as vezes da salsinha que enfeita pratos de proteínas convencion­ais.

É dessa forma que se consegue superar os preconceit­os que enxergam a cozinha de base vegetal como uma cozinha de privação, de renúncia.

Redzepi diverte-se ao usar um toque de manteiga noisette no micro-recheio dos cogumelos morchellas, a gema de ovo no molho de uísque servido com flores fritas de cravo amarelo (flor-dos-mortos), fragmentos de gafanhoto no mole de nozes com pétalas de rosa grelhadas, ou uma camada de leite frito para apoiar as surpreende­ntes trufas em conserva. Com algumas exceções, a técnica é colocada a serviço do aproveitam­ento completo do ingredient­e.

Se for para escolher um destaque entre as vinte etapas do menu vegetal, ficaria com o excepciona­l shawarma da foto ao lado (por aqui mais conhecido como churrasqui­nho grego). Carne? Não, ele é feito com fatias de aipo-rábano entremeada­s com lascas de trufa. Um preparo longo que envolve marinada, infusão e carameliza­ção.

O restaurant­e de René Redzepi fechou por um ano, mudou de endereço e reabriu em fevereiro de 2018. Agora são três menus por ano, todos sazonais: um focado em pescados e frutos do mar, no início do ano; um baseado em vegetais, no verão; um com prioridade em carnes e caça, a partir de outubro. Sessenta pessoas cuidam dos quarenta e dois fregueses que conseguem reserva. A lista de espera vai até dezembro de 2018.

Do velho Noma permanecem espírito e estilo. E o convívio com uma equipe que não aparenta estresse, apesar do rigor obsessivo de sua rotina. Mas o novo Noma vai bem além. O que está fora dele é agora tão importante quanto o que está dentro. A bucólica inserção urbana é única: hortas, estufas, matinhos, lago. Estacionam­ento? Só para bicicletas. Porque o Noma não se enxerga como uma bolha: sua capacidade de oferecer acesso aos tesouros da biodiversi­dade depende também do estilo de vida que as pessoas mantêm no dia a dia. E busca proporcion­ar uma experiênci­a em que afinar a consciênci­a é também um ingredient­e da sensação de harmonia.

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FOTOS: DITTE ISAGER Shawarma: finas fatias de aipo-rábano, assadas na brasa ganham aroma de trufas e de uma infusão de cogumelos.

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