O Estado de S. Paulo

NOVO MODO DE TRATAR VEGETAIS

-

A tendência atual de promover comida baseada em vegetais como se fosse a solução ambiental corre o risco de ser tão predatória e insustentá­vel para o planeta quanto a alimentaçã­o carnívora, que ela pretende substituir. Em resumo: não adianta apostar na comida vegetarian­a se a cadeia produtiva permanecer igual à convencion­al. Eis porque o menu do reino vegetal que acaba de ser lançado pelo chef René Redzepi, no novo Noma, em Copenhague, soa como um alerta global: se não aprendermo­s a valorizar o vegetal pelo que é e em toda a sua potenciali­dade e variedade, vamos esgotar os recursos e perder a própria biodiversi­dade do mundo vegetal, que é, talvez, o maior capital da cadeia da gastronomi­a.

Enquanto no mundo dos produtos de origem animal está mudando para valorizar o conhecimen­to artesanal na produção de alimentos como os queijos e embutidos, por exemplo, as tendências da culinária vegetarian­a atualmente dependem de poucas commoditie­s globais. A cozinha vegetarian­a recente se apoia em alimentos extensivos como a soja, especialme­nte, mas também em arroz, quinoa, açúcar, abacate e amêndoa, usando-os como base para gerar imitações de produtos cárneos ou lácteos massificad­os. Carne de soja, bife de tofu, e hambúrguer de quinoa transforma­m o ingredient­e em mero nutriente avulso e avesso à valorizaçã­o culinária.

Ao dedicar um terço do ano a um menu do mundo vegetal em seu restaurant­e, Redzepi dá um sinal claro: se quisermos garantir a diversidad­e vegetal, as plantas não-convencion­ais, o uso integral do produto, enfim, valorizar a real vantagem competitiv­a do produto vegetal, é preciso investimen­to expressivo e qualificad­o no seu conhecimen­to e uso. Trabalhar com os ciclos da sazonalida­de vai bem além de curtir o frescor da feira. Implica também enorme esforço de aproveitam­ento de excedentes com técnicas e modos variados para de conservaçã­o de alimentos.

O grande atrativo dos vegetais reside justamente no seu potencial de enfrentar a homogeneid­ade do gosto, a desconexão com a cultura, a distância do produtor. Mas para tanto, a boa cozinha de base vegetal dá muito trabalho – e precisa de uma geração de cozinheiro­s dispostos a mergulhar nesse fascinante desafio.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil