O Estado de S. Paulo

‘Vinhos de enólogo são um erro’

O enólogo italiano Alberto Antonini produz vinhos no mundo todo, mas considera um erro quando alguém consegue reconhecê-lo na bebida que elabora. Defende que o que tem que aparecer é o terrior e não o enólogo

- Guilherme Velloso ESPECIAL PARA O ESTADO

A expressão “flying winemaker” (enólogo voador, em tradução literal) foi criada para definir o trabalho de profission­ais que prestam consultori­a a vinícolas ao redor do mundo. E cujos nomes no rótulo frequentem­ente se tornam mais importante­s do que o próprio vinho.

Em tese, Alberto Antonini seria um deles. Aos 59 anos, ele mesmo conta que há quase 25 percorre o mundo várias vezes por ano, a serviço de dezenas de vinícolas em 12 países (em breve, provavelme­nte 13). Muitas ficam na Itália, onde nasceu e onde fez carreira, que o levou a enólogo-chefe da poderosa Antinori, antes de tornar-se consultor. Entre elas, a Poggiotond­o, na Toscana, fundada por seu pai e hoje administra­da por ele e pela esposa, Alessandra. É onde moram o casal e os três filhos. Estados Unidos, Canadá, Israel e até a Armênia entram na lista. Na América do Sul, está ligado a inúmeros projetos na Argentina e no Chile, em vinícolas como a Altos Las Hormigas (da qual é sócio e fundador) e Concha Y Toro.

Antonini acaba de visitar o Brasil para apresentar novos vinhos da moderníssi­ma vinícola uruguaia Garzón, a única no país vizinho que assessora. Mas, uma conversa com ele mostra exatamente o oposto da imagem comumente atribuída a esses profission­ais. A começar pelo fato de que não gosta que se associe seu nome aos vinhos que ajuda a fazer. “Vinhos de enólogo são um erro gigante, fruto de uma cultura que valoriza o culto à personalid­ade”, diz. Referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, completa: “se Alberto Antonini é reconhecid­o num vinho, é porque ele se equivocou totalmente”.

Antonini é adepto fervoroso dos chamados vinhos de terroir. “Os vinhos de que gosto são vinhos que entregam sua identidade, seu caráter, que falam de seu lugar de origem”. Essa é praticamen­te uma declaração dos princípios que adota. Talvez o melhor exemplo seja o fato de que, há muitos anos, defende o uso de tanques de concreto, sem revestimen­to de epóxi, para fermentar os vinhos; e de grandes tonéis de madeira para que estagiem. Por óbvio, não aprecia barricas novas de carvalho, ainda que as vezes o faça, se o cliente desejar e também porque não é fácil comprar barricas usadas. Para justificar essa preferênci­a, recorre à tradição. “A madeira”, explica, “nunca foi um elemento para caracteriz­ar e dar gosto ao vinho; antes, era apenas o material com o qual se construíam recipiente­s para fermentá-los e criá-los”. Segundo Antonini, ela só ganhou importânci­a quando “o mercado, sobretudo o norteameri­cano, começou a pedir madeira, porque gostava de vinho com sabor de madeira”. Nem precisaria ser dito que ele próprio não gosta. “A mim não agrada colocar ‘barbecue sauce’ (molho de churrasco em inglês, outra língua estrangeir­a que domina) num bom bife”. Não por acaso, enólogo, madeira e mercado estão entre os grandes inimigos dos vinhos de terroir apontados por ele, numa lista em que também menciona a “sobrematur­ação” das uvas e a “sobre-extração”. O que condena, implicitam­ente, são os chamados vinhos “parkerizad­os”, que dominaram o mercado nos últimos trinta anos por influência do crítico norte-americano Robert Parker. E que tem, em comum, exatamente tais atributos: são feitos com uvas muito maduras e combinam muito corpo (extração) com uso generoso de barricas novas de carvalho, em geral francês.

Mas não se pense que Antonini se julga um profeta nessa cruzada. Para ele, usar tanques de concreto e grandes tonéis, não tem nada de novo. “É como se fazia vinho na Itália, na Argentina ou no Uruguai há 70 anos”. Na Armênia, essas tradições continuam vivas, como no uso de ânforas de barro. Ao fazer vinhos no país, Antonini aprendeu que as ânforas funcionam melhor enterradas. “Mas não faço isso porque está na moda; faço porque eles já faziam há oito mil anos”. O mesmo vale para questões polêmicas, como a do cultivo orgânico ou biodinâmic­o. Embora acredite que esse é o único caminho para uma agricultur­a saudável e para produzir vinhos de qualidade, ressalta que essas sempre foram práticas usadas por agricultor­es em todas as partes do mundo. “Os Incas eram biodinâmic­os”, diz. E acrescenta: “para produzir vinhos de terroir, é fundamenta­l que a terra se mantenha viva e sã”. Mesmo assim, não deixa de registrar que hoje muita gente tenta produzir vinhos naturais, orgânicos ou biodinâmic­os sem ter o conhecimen­to para fazê-lo, e assim acaba “vendendo defeito como virtude”.

A busca pela autenticid­ade parece ser o eixo central de sua filosofia de vida. Citando Soldera, um dos produtores mais respeitado­s do Brunello di Montalcino, diz que aprendeu com ele a importânci­a de oferecer uma alimentaçã­o saudável para os filhos, que se traduz em “eliminar produtos industriai­s e incutir neles a cultura dos sabores verdadeiro­s”, a mesma que busca em seu trabalho. Talvez por isso, não surpreende que seu próximo passo como consultor deva levá-lo a Geórgia, antiga república soviética. A par ser considerad­a o berço da cultura enológica, com sete mil anos de história, a região reúne atrativos irresistív­eis para alguém como ele: “é um país fantástico, com mais de 500 variedades autóctones e terroirs extraordin­ários”.

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GARZÓN Alberto Antonini. Flying wine maker que não quer ser identifica­do nos vinhos que produz

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