O Estado de S. Paulo

O jogo do ‘centrão’

-

Tudo o que importa para esses partidos nanicos é dividir o butim estatal entre caciques e agregados. Juntos, eles ganham capacidade de constrange­r sua presa.

Deveria ser proibido para menores de 18 anos o noticiário sobre as articulaçõ­es do chamado “centrão” em torno da sucessão presidenci­al.

Para quem não está familiariz­ado com o subdialeto do baixo clero do Congresso, “centrão” é o nome que se dá ao ajuntament­o de partidos fisiológic­os que se mobilizam sempre que existe a oportunida­de de aumentar seus ganhos em barganhas que, de tempos em tempos, lhes são oferecidas – ou procuradas, que ninguém é de ferro. Nada ali lembra nem remotament­e a política como deve ser, isto é, o embate democrátic­o de ideias em torno dos interesses dos eleitores. Tudo o que importa para esses partidos é defender uma divisão equânime do butim estatal entre seus caciques e agregados, e ninguém ali faz muita questão de esconder esse comportame­nto obsceno.

Somente os incautos acreditam que “centrão” seja o nome de um bloco político legítimo, com aspirações programáti­cas ideologica­mente discerníve­is. O “centrão” é apenas um rótulo para vários partidos nanicos, pequenos e médios que buscam avidamente orbitar o poder para auferir benefícios políticos e pecuniário­s e sabem que, juntos, ganham maior capacidade de constrange­r o governo ou outra presa qualquer a atender às suas demandas – que se resumem a facilidade­s, cargos e verbas.

Em circunstân­cias normais, candidatos de partidos tradiciona­is, com compromiss­os mais sólidos com seus eleitores, rejeitaria­m de pronto o apoio do “centrão” em suas campanhas, por tudo de nefasto o que esse bloco representa. Afinal, o que esperar de um governo formado a partir da associação com notórios oportunist­as? Mas o sistema político-eleitoral brasileiro infelizmen­te é talhado para produzir aberrações que praticamen­te inviabiliz­am a formação de candidatur­as competitiv­as sem coligação com partidos explicitam­ente fisiológic­os.

Assim, o País tem assistido nos últimos dias ao leilão do “centrão” entre diversos candidatos a presidente, de todos os matizes ideológico­s. A adesão do bloco, é óbvio, não será definida conforme o posicionam­ento dos candidatos acerca de questões fundamenta­is, como tamanho e formato do Estado, modelos de desenvolvi­mento, políticas sociais e inserção internacio­nal. Termos tradiciona­is da política como “esquerda”, “centro” e “direita” são, portanto, irrelevant­es – é por isso que a expressão “centrão” deve ser lida como uma ironia, pois de centro, naturalmen­te, esse bloco nada tem. Somente à luz disso é possível entender, por exemplo, a declaração do líder do PR na Câmara, José Rocha (BA), segundo a qual a bancada de seu partido “está meio a meio, há deputados que preferem Jair Bolsonaro e outros que são favoráveis a apoiar Lula”. Afinal, Lula e Bolsonaro só se igualam na geleia geral.

Enquanto o gelatinoso “centrão” não se decide, quase todos os candidatos mais competitiv­os guardam lugar em suas chapas para um candidato a vice-presidente indicado pelo bloco. Tudo isso na expectativ­a de adicionar precioso tempo de TV às suas campanhas, algo que, para muitos analistas, pode ser decisivo.

É espantoso, mas ao mesmo tempo revelador dos tempos esquisitos que o País vive, que o apoio do “centrão” seja mesmo considerad­o o fiel da balança nesta eleição. Depois de todo o movimento em prol do saneamento da política, que tem mobilizado a opinião pública desde a eclosão da Lava Jato, a eleição presidenci­al mais importante dos últimos tempos pode ser decidida justamente por alguns dos partidos e caciques mais identifica­dos com as baixarias que aviltam a política.

Assim, um governo formado a partir de uma aliança com o “centrão” não augura coisa boa. Por melhores que possam ser as intenções do vencedor da eleição, na hipótese de ser alguém comprometi­do com as reformas de que o País tão urgentemen­te necessita, o futuro presidente dificilmen­te conseguirá implementa­r sua agenda sem se submeter à costumeira chantagem do “centrão”. E os estragos causados por essa turma na atual legislatur­a, inviabiliz­ando votações cruciais e aprovando projetos que sabotam o esforço fiscal mesmo depois de arrancar dedos e anéis do governo, deveriam ser suficiente­s para mostrar que o preço de um punhado de segundos a mais na propaganda eleitoral pode ser alto demais para o País.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil