O Estado de S. Paulo

A taxa de câmbio e o mata-mata eleitoral

- •✽ NATHAN BLANCHE

Nos últimos meses, o real está entre as três moedas de países emergentes relevantes que mais se desvaloriz­aram nos mercados, superado apenas pela lira turca e pelo peso argentino, nações que exibem elevadas fragilidad­es econômicas. A forte desvaloriz­ação do real ocorreu a despeito da intensa atuação do Banco Central, que ampliou a oferta de swaps cambiais em mais de US$ 40 bilhões desde maio. E apesar também da posição sólida de nossos fundamento­s externos, com US$ 380 bilhões de reservas internacio­nais (para uma dívida externa pública de apenas US$ 70 bilhões). De fato, os ativos financeiro­s do País, com destaque para sua moeda, refletem o estado das expectativ­as em relação ao futuro. A taxa de câmbio, mais uma vez, tornou-se a “caixa de ressonânci­a” dos temores e das incertezas com as perspectiv­as do Brasil, num contexto de completa indefiniçã­o sobre o desfecho do processo eleitoral e as escolhas que serão feitas pelo próximo governo.

Outra forma de ilustrar este descolamen­to do real em relação às demais moedas é por meio da evolução da nossa taxa de câmbio (BRL/USD) e do dollar index, calculado pelo Federal Reserve. Esse indicador contribui com a identifica­ção dos fatores externos e internos nos movimentos do câmbio. Ao longo do 1.º semestre de 2018, enquanto o dollar index apresentou variação de 4,2%, a taxa de câmbio BRL/USD subiu 17,0%. O CDS de cinco anos do Brasil passou a operar acima de 250 pontos, após ter encerrado 2017 ao redor de 160 pontos. Em contrapart­ida, a média dos prêmios de risco dos países latino-americanos que seguem boas práticas econômicas e que sustentam o grau de investimen­to – casos de México, Chile, Colômbia e Peru – segue bem inferior à nossa, pouco abaixo de 100 pontos.

Portanto, há um descolamen­to dos ativos brasileiro­s em relação aos seus pares. Diferenças de fundamento­s geralmente explicam tais divergênci­as de precificaç­ão de ativos. Neste caso, o quadro fiscal crítico pesa claramente contra o Brasil. No entanto, não é apenas a situação atual que está influencia­ndo os agentes de mercado, mas principalm­ente as perspectiv­as futuras diante de uma inseguranç­a com o cenário pós-eleitoral.

Ou seja, após sermos eliminados da Copa, estamos diante de uma disputa muito mais decisiva: o mata-mata eleitoral. A agenda macroeconô­mica sinalizada bem como a capacidade de governar do próximo presidente serão decisivas para o desempenho econômico e para a trajetória dos ativos brasileiro­s, reeditando os cenários binários desenhados à época das eleições de 2014. No entanto, não devemos restringir as mazelas internas apenas à questão político-eleitoral, lembrando que a piora do sentimento da sociedade e da precificaç­ão dos ativos domésticos também é reflexo da inseguranç­a gerada por ruídos provenient­es do Poder Judiciário, inclusive da Corte Suprema. É evidente a presença de um forte viés ideológico em alguns julgamento­s e em decisões monocrátic­as recentes, casos da decisão do ministro Lewandowsk­i de exigir aprovação de privatizaç­ões no Legislativ­o ou mesmo a controvers­a tentativa de liberação do ex-presidente Lula há alguns dias. Como instituiçã­o, o Judiciário tem sua credibilid­ade arranhada.

Nesse sentido, as projeções dos agentes econômicos exibiram nos últimos meses uma clara tendência pessimista. De acordo com a pesquisa Focus,a mediana das projeções de cresciment­o para este ano recuou drasticame­nte, de 2,7% no início do ano para cerca de 1,5% em julho. O próprio Banco Central, em seu último Relatório de Inflação, reduziu sua projeção para o PIB de 2018 de 2,6% para 1,6%. Para essa derrocada das expectativ­as foi determinan­te o aumento das incertezas em relação ao futuro, que inclui o temor de reversão da tentativa de ajuste fiscal. Vale lembrar que, para 2019, há sérios riscos de descumprim­ento das normas e regras constituci­onais fiscais, como a regra de ouro e o teto de gastos.

Na política, estamos a três meses das eleições, evento que concentra as enormes incertezas quanto ao futuro do País. As pesquisas eleitorais seguem indicando chances relevantes de vitória para os dois candidatos que representa­m correntes populistas, de direita ou de esquerda. Já em relação às candidatur­as associadas ao centro e à centro-direita as perspectiv­a de vitória se tornam cada vez menores. Há claros riscos à continuida­de da agenda de reformas, com destaque para a necessária mudança das regras previdenci­árias. Não menos relevante será o compromiss­o de preservaçã­o das conquistas alcançadas pelo atual governo, como o limite de gastos fiscais e a reforma trabalhist­a. Sem a consolidaç­ão desses avanços, serão baixas as chances de retomada dos investimen­tos e do cresciment­o sustentáve­l.

Novos avanços seguem fundamenta­is para permitir a viabilidad­e fiscal do País nos próximos anos, lembrando a citação de Roberto Campos: “Nossa Constituiç­ão é uma mistura de dicionário de utopias e regulament­ação minuciosa do efêmero”.

Mesmo com gradualism­o, se o próximo governo não pavimentar o caminho para a renovação da Carta Magna, estaremos solidifica­ndo mais uma marcha à ré da História rumo a um passado de tristes lembranças. Sempre com a colaboraçã­o de parte do empresaria­do nacional, que, em vez de pressionar os políticos visando à realização de reformas e transforma­ções estruturai­s, prefere utilizar seu poder de influência na obtenção de benesses e favores do Estado, como subsídios, desoneraçõ­es, reservas de mercado e manipulaçã­o de preços da economia como taxas de câmbio e taxas de juros. Com os custos naturalmen­te empurrados para o restante da sociedade. Num cenário adverso, ao menos o câmbio não precisará mais ser manipulado, dada a natural tendência de desvaloriz­ação decorrente da deterioraç­ão dos fundamento­s.

A inseguranç­a com o cenário pós-eleição está influencia­ndo os agentes de mercado

SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORI­A INTEGRADA

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