O Estado de S. Paulo

Comércio travado, risco global

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Uma guerra comercial, ruim para todos, poderá compromete­r quaisquer planos de cooperação para o cresciment­o discutidos em Buenos Aires, neste fim de semana, pelos ministros de Finanças do Grupo dos 20 (G-20), formado pelas maiores potências econômicas. Um conflito de tarifas e barreiras, com novas travas à circulação internacio­nal de mercadoria­s, é uma das principais ameaças à prosperida­de global, neste e nos próximos anos, segundo nota publicada pelo Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) como referência para as discussões. Enquanto a nota circulava, o governo dos Estados Unidos estudava a adoção de tarifas sobre a importação de veículos, depois de impor barreiras às compras de aço e de alumínio e de anunciar a taxação de produtos chineses no valor de US$ 200 bilhões.

Além de governos, empresário­s de países do G-20 decidiram manifestar-se, em documento, contra o risco de uma nova e desastrosa guerra comercial, pedindo a seus governante­s um compromiss­o com a manutenção de mercados abertos e com o fortalecim­ento da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC).

A preocupaçã­o com o destino da OMC é duplamente oportuna: em primeiro lugar, porque é esse o foro apropriado para a solução de divergênci­as comerciais, sempre com base em regras multilater­ais; em segundo, porque a entidade tem sido torpedeada regularmen­te pelo governo do presidente Donald Trump, empenhado em submetê-la a seus padrões ou entravar seu funcioname­nto.

O agravament­o do conflito comercial é, neste momento, a questão mais preocupant­e para o setor empresaria­l, segundo o diretor de políticas e estratégia da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes, citado pelo Estado. Entre os signatário­s do manifesto empresaria­l há representa­ntes do Brasil, dos Estados Unidos, do Canadá, da Alemanha e da União Europeia, entre outros.

A escalada protecioni­sta, iniciada pelo presidente Donald Trump, tem provocado reação contrária também de empresário­s americanos. Grupos lobistas do setor automobilí­stico, agindo em nome da indústria americana e de montadoras estrangeir­as baseadas nos Estados Unidos, alertaram o governo para os custos de medidas protecioni­stas. “Aumentar as tarifas sobre os automóveis e autopeças lançaria um imposto enorme sobre os consumidor­es”, segundo carta aberta dirigida ao presidente.

Autoridade­s da União Europeia já indicaram sua disposição de responder com ações protecioni­stas à imposição de tarifas pelo governo americano. Para os europeus, a criação de barreiras ao ingresso de veículos nos Estados Unidos causaria prejuízo muito maior que a imposição de tarifas à importação de aço e de alumínio. As exportaçõe­s destes produtos para o mercado americano proporcion­am receita anual de ¤ 6,4 bilhões. As vendas de veículos correspond­em a um faturament­o de ¤ 50 bilhões.

Se a briga comercial chegar às proporções indicadas até agora pelas barreiras já impostas e pelas ameaças de todos os lados, o cresciment­o da economia global poderá ser severament­e prejudicad­o.

Pelas contas do FMI, o produto mundial deve aumentar 3,9% neste ano e 3,9% no próximo. Todos os grandes grupos de países devem avançar, mas em velocidade­s mais desiguais que no passado recente. Sinais de desacelera­ção já aparecem, mas a expansão ainda continuará, especialme­nte se houver progresso em ações para tornar as economias mais flexíveis, mais eficientes e mais inclusivas. Mas há riscos importante­s e o mais preocupant­e, hoje, é o da guerra comercial.

Se o pior cenário se confirmar e a inseguranç­a frear os investimen­tos, a economia global poderá perder cerca de US$ 430 bilhões em 2020, segundo a estimativa do FMI. Isso correspond­e a aproximada­mente 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) global estimado para o período. Estimativa­s para dois anos à frente são sempre muito inseguras, mas esse é hoje o detalhe menos importante. Em qualquer caso, uma aposta é segura: todos perderão numa guerra comercial.

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