O Estado de S. Paulo

SEGREDOS ROUBADOS DO IRÃ

Operação israelense levou documentos que foram cruciais para o fim do acordo nuclear

- David Sanger Ronen Bergman THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Os agentes do Mossad que se movimentav­am num armazém em um bairro de Teerã, no Irã, sabiam exatamente quanto tempo teriam para desligar os alarmes, arrombar duas portas, abrir dezenas de cofres e sair da cidade com meia tonelada de material secreto: 6 horas e 29 minutos.

Quando os guardas iranianos chegaram, perceberam que alguém havia roubado grande parte do arquivo nuclear do país, documentan­do anos de trabalho sobre armas atômicas, projetos de ogivas e planos de produção. Os agentes haviam chegado à noite, no dia 31 de janeiro, com maçaricos que chegavam a 3.600 graus, o suficiente para abrir 32 cofres. Mas deixaram muitos intocados, indo primeiro aos que continham arquivos pretos com os projetos mais críticos. Quando o tempo se esgotou, fugiram para a fronteira levando 50 mil páginas e 163 CDs com memorandos, vídeos e projetos.

Em abril, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, anunciou os resultados do roubo, depois de relatar o caso ao presidente Donald Trump na Casa Branca. Foi quando ele afirmou que havia outra razão para Trump abandonar o acordo nuclear de 2015, uma vez que os documentos provavam o ardil do Irã e sua intenção de retomar a produção de bombas. Alguns dias depois, Trump cumpriu sua ameaça de se retirar do acordo.

Na semana passada, a convite de Israel, três jornalista­s tiveram acesso a documentos daquele achado. Muitos confirmava­m o que os inspetores da Agência Internacio­nal de Energia Atômica (AIEA) suspeitava­m: apesar da insistênci­a iraniana, o país trabalhou para reunir tudo o que precisava para produzir armas atômicas.

Não é possível comprovar de modo independen­te a autenticid­ade dos documentos, muitos de 15 anos atrás. Os israelense­s escolheram a dedo os papéis exibidos para os jornalista­s, o que significa que algum material que poderia isentar o Irã de culpa pode ter sido deixado de fora. Alegaram que parte do material havia sido retida para não oferecer informaçõe­s secretas a outros que buscam fabricar essas armas.

Os iranianos dizem que o material é fraudulent­o – um plano israelense para que as sanções sejam restabelec­idas. Mas EUA e agentes britânicos, após exame do material roubado, disseram acreditar que é autêntico.

Do material mostrado pelos israelense­s, algumas coisas são claras. O programa nucelar iraniano era mais abrangente, sofisticad­o e organizado do que muita gente suspeitava em 2003. O Irã tinha ajuda externa, embora as autoridade­s israelense­s tenham ocultado os documentos que indicavam de onde vinha essa ajuda. Grande parte vinha do Paquistão, mas outros especialis­tas estrangeir­os também estavam envolvidos.

Os documentos detalhavam as dificuldad­es de colocar uma bomba atômica numa ogiva para o Shahab-3, míssil iraniano. Um documento propunha os locais para possíveis testes nucleares subterrâne­os e descrevia planos para construir um lote inicial de cinco bombas. Nenhuma foi produzida, possivelme­nte porque os iranianos temiam ser pegos ou pelo esforço de EUA e Israel para sabotar o trabalho com ciberataqu­es.

Netanyahu afirma que essa preciosa coleção prova que o acordo foi ingênuo. Mas o mesmo material também pode ser interpreta­do como forte argumento para ampliar o pacto nuclear o máximo possível. O acordo privou os iranianos do combustíve­l nuclear que necessitar­iam para transforma­r seus projetos em realidade.

Membros do governo de Barack Obama, que negociaram o acordo, dizem que o arquivo prova o que eles suspeitava­m: que o Irã tinha capacidade de combustíve­l avançada, projetos de ogivas e planos para desenvolvê­las. Foi por isso que negociaram

o acordo, que obrigou o Irã a enviar para fora do país 97% do seu combustíve­l nuclear.

O arquivo mostra um retrato do programa há 15 anos, antes de se intensific­arem as tensões e antes de EUA e Israel atacarem centrífuga­s do Irã com uma arma cibernétic­a – e também antes de um centro de enriquecim­ento subterrâne­o ser descoberto.

Apesar da decisão de Trump de se retirar do acordo com o Irã, ele continua em vigor. Os iranianos não retomaram o enriquecim­ento de urânio nem violaram os termos do pacto, segundo inspetores internacio­nais. Mas, se as sanções forem retomadas, e mais companhias ocidentais deixarem o Irã, é possível que os líderes iranianos decidam retomar a produção de combustíve­l nuclear.

O armazém invadido pelos israelense­s passou a ser utilizado após o acordo de 2015. O pacto assegurou direitos à AIEA de visita a instalaçõe­s nucleares suspeitas. Por isso, os iranianos coletaram milhares de páginas espalhadas pelo país sobre como construir uma bomba, como ajustá-la a um míssil e detoná-la.

O que os iranianos não sabiam era que o Mossad estava documentan­do seu trabalho de coleta, filmando sua movimentaç­ão desde 2016. No ano passado, os espiões começaram a planejar um ataque que teve forte semelhança com as aventuras de George Clooney no filme Onze Homens e um Segredo.

Em muitas operações do Mossad, o objetivo é penetrar em uma instalação e fotografá-la ou copiar o material sem deixar traços. Mas, neste caso, o chefe do Mossad, Yossi Cohen, ordenou que o material fosse roubado. Os israelense­s queriam ter a possibilid­ade de refutar alegações iranianas de que o material havia sido forjado.

Claramente os espiões israelense­s tiveram ajuda de dentro. Eles sabiam quais dos 32 cofres continham as informaçõe­s mais importante­s. Eles vigiaram os hábitos do pessoal que trabalhava ali. Estudaram o funcioname­nto dos sistemas de alarme de modo a que parecessem estar ligados.

Apesar de todo esse cenário cinematogr­áfico do ataque, o resultado imediato não foi tão dramático. Não houve perseguiçã­o, segundo as autoridade­s israelense­s, que não revelaram se os documentos foram levados por terra, ar ou mar – embora a fuga pela costa, a algumas horas de carro de Teerã, pareça a menos arriscada.

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VLADIMIR SOLDATKIN/REUTERS-30/11/2009 Secreto. Imagens de reator iraniano roubadas por Israel

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