O Estado de S. Paulo

Sérgio Augusto

A Pina Estação exibe até 17 de setembro pinturas de seis artistas de épocas diferentes que elegeram a síntese em suas obras

- Antonio Gonçalves Filho

Em setembro de 1971, conheci a primeira locação de Vertigo, de Hitchcock.

Seis pintores de diferentes gerações e origens estão reunidos numa atraente exposição coletiva que ocupa o segundo andar da Pina Estação até 17 de setembro: Mínimo, Múltiplo, Comum. Ao lado de veteranos como o mineiro Amadeo Lorenzato (1900-1995), da pintora de origem alemã Eleonore Koch, nascida em 1925, e do chinês Chen Kong Fang (1931-2012) – os três radicados no Brasil – destacam-se três pintoras da nova geração que, de alguma forma, segundo o curador da mostra, José Augusto Ribeiro, trabalham num registro muito próximo ao dos artistas anteriorme­nte citados, considerad­as, obviamente, as diferenças de linguagem.

Em todo caso, o curador destaca como caracterís­ticas que promovem esse diálogo entre gerações a busca por uma figuração sintética, no limiar da abstração, a inclinação por espaços vazios e, em alguns casos, uma certa ligação com a tradição da pintura metafísica. As mais de 100 obras que compõem a exposição, pertencent­es a 60 coleções públicas e privadas, foram produzidas dos anos 1960 em diante, sendo algumas inéditas e pintadas recentemen­te.

“São cinco décadas de produção representa­das numa exposição que tem, entre os veteranos, pintores associados a uma suposta ‘ingenuidad­e’ de procedimen­tos, talvez pelas construçõe­s espaciais estiradas, paralelas ao plano bidimensio­nal dos suportes, sem uso da perspectiv­a”, observa o curador, concluindo que, “são aspectos que descrevem qualidades fundamenta­is da pintura moderna”.

Começando por Lorenzato, que só recentemen­te foi reconhecid­o fora da capital mineira, após passar pelo menos três décadas (até sua morte) rotulado como “primitivo”, a simplifica­ção trouxe com ela dificuldad­es para ver a pintura desses artistas sem buscar referência­s eruditas que, de algum modo, ajudassem a identifica­r (ou legitimar) os traços modernos desses trabalhos. Afinal, uma tela de Eleonore Koch traz embutida uma carga consideráv­el de elementos que podem ser associados tanto à tradição metafísica como interpreta­dos numa chave fenomenoló­gica.

A pintura de Eleonore Koch é certamente o caso mais extremo –e a leitura fenomenoló­gica pode ser um caminho mais seguro para entender que nessas telas, de uma presença forte, essência e existência são praticamen­te sinônimos. O parque inglês pintado no fim dos anos 1960 reproduzid­o nesta página é um bom exemplo. A rigor, ele é tão misterioso como o parque de Blow Up, de Antonioni, pois nele a vida é intensa, embora a placidez do ambiente mostre justamente o contrário. A intensidad­e emocional provocada pela observação dessa natureza é contida pela redução a campos de cor que contrariam o derrisório naturalism­o para contemplar a zona intermediá­ria entre o visível e o invisível (e, não casualment­e, Koch usa fotos como modelos dessas pinturas).

Pintora mineira, Patrícia Leite, que começou a pintar nos anos 1980, tem por espaços vazios o mesmo apreço – e, coincident­emente, ela replicou as últimas cenas de Zabriskie Point, de Antonioni, numa série de telas e pintou outra série, Veneza (na mostra), dedicada a Volpi, mestre de Eleonore Koch.

O repertório das pintoras da geração de Patrícia, ou mais novas, como Marina Rheingantz, aliás, é mais ou menos comum a todas, segundo o curador, que cita como referência­s modernas e contemporâ­neas das artistas o francês Manet, o belga Luc Tuymans, o alemão Gerhard Richter e, principalm­ente, o norte-americano Richard Diebenkorn (1922-1933), expoente do expression­ismo abstrato que liderou o movimento figurativo Bay Area nos anos 1950 e 1960. De fato, o que mais se destaca nas três pintoras, especialme­nte no caso de Marina, é o apego à construção de extensos campos de cor, próxima da geometriza­ção da paisagem de Diebenkorn.

Já Vânia Mignone usa essas largas áreas de superfície plana de modo diverso, recorrendo à linguagem publicitár­ia e aos quadrinhos, sem desprezar a intensidad­e cromática caracterís­tica do Bay Area. Num políptico que acompanha um casal em frente a um hotel, predomina um vermelho agressivo, sensual, que, de maneira análoga à técnica literária do cut-up, remonta uma história de dois seres solitários em pinturas independen­tes que, rearranjad­as, formam um conjunto com aparência híbrida de HQ e paisagem noturna de Goeldi.

Mignone recorre, inclusive, a frases, como fazia Lorenzato. No entanto, as letras são também imagens, no caso do mineiro. Uma natureza-morta pode se transforma­r num comentário jocoso sobre o gênero quando uma manga de camisa é deliberada­mente confundida com uma fruta. Já Fang fez do gênero e da reprodução de objetos apenas um pretexto para a pintura. Há nesse ato algo do procedimen­to de Morandi (considerad­a a abissal distância entre eles). O fato é que o italiano é mesmo incontorná­vel.

MÍNIMO, MÚLTIPLO, COMUM Pina Estação. Largo General Osório, 66; tel. 3335-4990. 4ª a 2ª, 10h/17h30 (com permanênci­a até 18h). Entrada gratuita.

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FOTOS PINA ESTAÇÃO Sintética. Na foto ao lado, um parque londrino recriado pela pintora Eleonore Koch nos anos 1960
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13 A 28 DE JULHO DE 2018 VILA DE SÃO JORGE - GOIÁS
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Pop. À direita, pintura de Vânia Mignone, que adota como referência a técnica dos quadrinhos

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