O Estado de S. Paulo

A militância partidária

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A política depende dos partidos. Não há democracia sem uma vida partidária vibrante.

Ainda que os partidos políticos constituam uma realidade fundamenta­l para a democracia representa­tiva, raramente eles são objeto de estudo detalhado. A vida interna das agremiaçõe­s é pouco conhecida, o que dá margem a juízos precipitad­os, quase sempre negativos, sobre as legendas. Com o objetivo de reverter esse quadro, o Departamen­to de Ciência Política da Unicamp tem conduzido o projeto temático “Organizaçã­o e funcioname­nto da política representa­tiva no Estado de São Paulo (1994 e 2014)”, cujos primeiros resultados jogam luzes sobre a militância partidária, conforme noticia recente edição da revista Pesquisa Fapesp.

Circunscri­ta ao Estado de São Paulo, a pesquisa contou com a participaç­ão de 445 filiados dos dez principais partidos nacionais – DEM, MDB, PDT, PP, PPS, PR, PSB, PSDB, PT e PTB –, que reúnem cerca de 80% da militância no País. “Trata-se da primeira pesquisa, de natureza acadêmica, no País, que ouviu diretament­e integrante­s de partidos políticos”, diz Rachel Meneguello, professora titular da Unicamp e responsáve­l pelo projeto.

Ao traçar um perfil do filiado político, o estudo revelou que, em geral, ele é mais velho, mais escolariza­do e com uma renda superior à média nacional. Por exemplo, 59,3% dos filiados têm alguma formação superior. Outro dado que se destaca é a proporção de funcionári­os públicos na militância partidária: 58,9% dos filiados no Estado de São Paulo provêm do funcionali­smo público. Segundo o pesquisado­r Oswaldo Amaral, da Unicamp, o alto porcentual pode ser reflexo da importânci­a atual dos recursos estatais para as legendas. “Cada vez mais os partidos dependem de recursos estatais. Tanto para campanhas e eleições quanto para fazer suas máquinas funcionare­m. Os políticos indicam para suas assessoria­s e cargos de confiança pessoas ligadas aos próprios partidos”, afirma Amaral.

De toda forma, a desproporç­ão com a realidade social é significat­iva. Apenas 12% dos trabalhado­res são funcionári­os públicos, mas sua participaç­ão nos principais partidos quase chega a 60%. O dado talvez ajude a entender a força da pressão política das corporaçõe­s públicas no Congresso.

A pesquisa também avaliou a dedicação dos filiados às legendas. Os resultados desmentem a ideia de que os partidos seriam organizaçõ­es sem vida própria. Entre os entrevista­dos, 89% dedicam mensalment­e algum tempo ao partido.

A participaç­ão não se restringe a anos eleitorais. Em 2013, por exemplo, 81% dos militantes estiveram em alguma atividade do partido. Cerca de um quarto dos filiados contribui regularmen­te com a legenda.

Um dado peculiar do Brasil, que destoa do que se vê em outros países, é o número de militantes. Segundo os registros das legendas, haveria 17 milhões de filiados a partidos, o que representa 11% do eleitorado. Ainda que não seja preciso, trata-se de um número muito alto, que contrasta com a distância que se observa entre o eleitor médio e os partidos.

Apenas 37,1% disseram que a sua filiação partidária foi motivada por convicções políticas. Mais de um quarto (28,5%) afirmou que a possibilid­ade de convivênci­a partidária foi o fator determinan­te para a filiação à legenda. Em relação ao modo como ocorreu a filiação, 29,2% dos entrevista­dos disseram ter sido recrutados pela própria legenda, por exemplo, em comícios eleitorais. Também aparecem na pesquisa a sugestão de amigos e parentes (27,6%), o convite de políticos eleitos (9,2%) e a participaç­ão sindical (8,8%).

A despeito da expressiva participaç­ão nas atividades da legenda, a maioria dos filiados qualificou como reduzida sua influência no processo decisório do partido. Neste caso, confirma-se a impressão de que as legendas são internamen­te pouco democrátic­as, conduzidas por alguns poucos.

O País depende da política, que depende dos partidos. Não há democracia possível sem uma vida partidária vibrante, capaz de prover um debate público rico e de formar bem suas lideranças. Há muito ainda a conhecer sobre essa realidade decisiva para os rumos do País.

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