O Estado de S. Paulo

Britânicos usam crianças como espiãs

Jovens, muitos com menos de 16 anos, passam informaçõe­s à polícia sobre gangues, tráfico de drogas e até mesmo exploração infantil

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Os britânicos estão recorrendo a crianças para combater terrorismo, violência de gangues, tráfico de drogas e, paradoxalm­ente, exploração infantil. A informação de que espiões menores de idade, às vezes com menos de 16 anos, obtêm informaçõe­s para o serviço secreto e para a polícia mobilizou o país e, em particular, o Parlamento.

A revelação veio à tona pouco depois de um relatório parlamenta­r ter criticado uma proposta do Ministério do Interior de estender a duração das missões dos espiões mirins de um para quatro meses.

O secretário de Estado para a Segurança do Ministério do Interior, Ben Wallace, justificou o uso de espiões menores como vital para a inteligênc­ia, mas não deu detalhes sobre quantos são, como são recrutados e desde quando eles atuam para o governo.

O processo de autorizaçã­o, aparenteme­nte, não inclui nenhum serviço de assistente social, o que coloca em dúvida se a convocação é conduzida de acordo com as próprias regras do governo de proteção à criança.

“Como os jovens estão cada vez mais envolvidos, tanto criminosos quanto vítimas, em terrorismo, violência de gangues, tráfico de drogas e exploração sexual infantil, os espiões menores podem ser cada vez mais úteis para prevenir ou reprimir crimes”, observou Wallace, citado no relatório enviado à Câmara.

Para ele, esses adolescent­es permitem acesso único à informação. “Pode ser difícil obter informaçõe­s sobre gangues sem penetrar em sua rede pelos jovens espiões escondidos.” Eles podem, por exemplo, “fornecer aos investigad­ores uma visão de como os jovens de gangues se comunicam uns com os outros”.

Em um editorial, o jornal britânico The Guardian critica o fato de que, se o governo não tivesse requerido uma extensão no prazo dos trabalhos dos miniagente­s infiltrado­s, o país nem teria ficado conhecendo sua existência. O jornal destaca que as crianças não apenas estão incumbidas de repassar informaçõe­s para a polícia, mas são ativamente designadas para coletá-las.

Aval paterno. Segundo informaçõe­s fornecidas pelo Ministério do Interior para uma comissão da Câmara dos Lordes, o governo não precisa da autorizaçã­o dos pais para recrutar os jovens de 16 a 18 anos.

Os menores de 16 anos não podem ser incumbidos de obter evidências contra seu pai ou sua mãe, mas estão autorizado­s a fazê-lo no caso de qualquer outro membro da família, explica o jornal. “Aparenteme­nte, não há esse controle (de delatar os pais) para aqueles com idades entre 16 e 18 anos”, ressalta o Guardian.

A comissão parlamenta­r destaca que se trata de “investigaç­ões sérias, crimes violentos” e os deputados demonstrar­am “grande preocupaçã­o sobre qualquer criança ser exposta a esse tipo de situação”. O grupo também afirma que suas preocupaçõ­es sobre “até que ponto os menores podem ser usados para vigilância secreta” e quanto

isso pode afetar seu “bemestar físico e mental”.

O governo argumenta que a necessidad­e de uma autorizaçã­o mensal para renovar a missão de cada jovem aumenta a pressão sobre ele para que consiga as informaçõe­s rapidament­e. Por isso, o ideal seria aumentar esse prazo para quatro meses.

Diante da controvérs­ia, Downing Street argumentou ontem que o uso de crianças espiãs nas operações da polícia e da inteligênc­ia “ocorre muito raramente” e somente quando é “considerad­o vital”

“É basicament­e uma criança que já foi pega uma vez praticando um crime e, em vez de resgatá-la, ela é enviada de volta (para servir como agente infiltrada)”, afirmou um ex-policial ao jornal britânico. Ele pondera que a natureza dessas investigaç­ões indica que alguns desses jovens, se não todos eles, já estão vulnerávei­s e podem ser alvo de vingança de chefões do crime.

“É basicament­e uma criança que já foi pega uma vez praticando um crime e, em vez de resgatá-la, ela é enviada de volta (para servir como agente infiltrada)

EX-POLICIAL, SOBRE AS CRIANÇAS

ESPIÃS, EM ENTREVISTA AO ‘GUARDIAN’

 ?? JOEL GOODMAN/LNP/REX FEATURES ?? Infiltrado­s. Atentado de Manchester: garotos ajudam na guerra ao terror
JOEL GOODMAN/LNP/REX FEATURES Infiltrado­s. Atentado de Manchester: garotos ajudam na guerra ao terror

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