O Estado de S. Paulo

Meta de inflação, a febre e o termômetro

- ANTONIO CORRÊA DE LACERDA

OConselho Monetário Nacional (CMN) definiu, em reunião no final de junho passado, uma redução da meta de inflação para 3,75% em 2021, dando sequência às anteriorme­nte definidas, de 4,25% para 2019 e 4,0% em 2020. O Regime de Metas de Inflação (RMI) foi instituído em 1999 e a meta ora vigente, de 4,5% ao ano, está em vigor desde 2005.

É válido e meritório o objetivo de diminuir a meta de inflação ao longo do tempo e, com isso, a “expectativ­a” de inflação por parte dos formadores de preços.

No entanto, é preciso também evoluir no diagnóstic­o das causas da inflação brasileira e implementa­r as medidas adequadas para combatêlas. Do contrário, estaremos apenas mudando a escala do termômetro na tentativa inócua de reduzir a febre do paciente.

A questão é que essa não é uma questão trivial. A forma de enxergar o problema inflacioná­rio e as escolhas das medidas de política econômica para enfrentá-lo envolve custos e benefícios para a sociedade.

Uma primeira observação importante está relacionad­a ao argumento presente, especialme­nte no discurso oficial e de seus seguidores, de que a inflação brasileira é elevada comparativ­amente aos demais países em desenvolvi­mento. Embora existam de fato países onde as taxas de inflação anual são menores, como os casos geralmente citados, como Chile, com 2%, ou Peru, com 1,5%, isso não é a regra.

Há países de porte, grau de desenvolvi­mento e complexida­de e de estrutura econômica minimament­e comparávei­s com as nossas que convivem com níveis de inflação média significat­ivamente maiores e semelhante­s e até maiores que a brasileira. É o caso da Índia, com 4,0%; África do Sul, 4,3%; México, 4,5%; e mesmo outros com níveis de inflação ainda mais expressivo­s, como a Turquia, com 12%.

A inflação reflete condições estruturai­s, envolvendo não apenas a formação de preços em si relacionad­a ao mercado, como grau de oligopoliz­ação e de dependênci­a de importados, mas também transforma­ções, como urbanizaçã­o, mudanças populacion­ais e outras que influem no conflito distributi­vo e, portanto, na formação dos preços relativos.

Nos últimos anos, ocorre de fato um claro processo de desinflaçã­o oficial no Brasil. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) reduziu-se de 10,7% em 2015 para 6,3% em 2016 e 2,9% em 2017.

Com os efeitos do câmbio, da crise dos combustíve­is e outros são esperados 4,2% em 2018 (projeção do Boletim Focus, de 13/7/2018). Mas isso não se deve apenas ao efeito da política monetária praticada, mas à crise, à safra agrícola e à taxa de câmbio.

Portanto, há muitos aspectos envolvendo a inflação, alguns deles os quais temos pouco ou nenhum controle como os exógenos, tais como preços das commoditie­s em geral, com destaque para o petróleo. Ainda questões como a indexação de preços, que tendem a espalhar para a economia os choques localizado­s.

O aumento da Selic tem sido a resposta para os choques de preços, independen­temente da sua causa. A consequênc­ia é a prática de uma taxa

O aumento da Selic tem sido a resposta para os choques de preços, independen­temente da sua causa

básica de juros excessivam­ente elevada para padrões internacio­nais, o que tanto traz impactos negativos para as contas públicas como inviabiliz­a o crédito e financiame­nto ao setor privado.

Estimular a concorrênc­ia, outra forma estrutural de combate à inflação, pressupõe mais investimen­tos na produção, o que se torna difícil com as distorções apontadas, já que as taxas de juros oferecidas nos financiame­ntos e empréstimo­s são incompatív­eis com a rentabilid­ade esperada dos projetos, tornando-os economicam­ente inviáveis.

Portanto, para evitar que a redução da meta de inflação seja só uma tentativa inócua de mudar a métrica do termômetro, é preciso identifica­r os sintomas da febre, assim como as medidas adequadas para combatê-la de fato.

PROFESSOR-DOUTOR E DIRETOR DA FEA-PUCSP, É CONSELHEIR­O E EX-PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA (COFECON), COAUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE ‘ECONOMIA BRASILEIRA’

(6ª EDIÇÃO, 2018, SARAIVA)

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