O Estado de S. Paulo

Banco do Nordeste ganha espaço e vira opção ao BNDES

Crédito. Enquanto as condições do BNDES pioraram, uma lei garantiu redução nas taxas do BNB, fazendo a demanda de projetos nordestino­s por recursos da instituiçã­o regional crescer: valor contratado no 1º semestre foi equivalent­e a 77% do montante de 2017

- Renée Pereira

Com dinheiro disponível e juros atrativos, o BNB ocupa espaço do BNDES no financiame­nto de projetos. No 1.º semestre, o banco contratou R$ 12,4 bilhões, 77% de todo o volume de 2017.

O Banco do Nordeste (BNB) tem ocupado o espaço do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) no financiame­nto de projetos de infraestru­tura na região. Uma medida provisória, convertida em lei no mês passado, reduziu os juros do BNB e provocou uma corrida de investidor­es por empréstimo­s da instituiçã­o, que até 2016 tinha restrições para atuar em algumas áreas, como energia elétrica. Só no primeiro semestre deste ano, o banco contratou R$ 12,4 bilhões, 77% de todo o volume fechado em 2017 – desempenho tem incomodado a cúpula do BNDES.

Nos últimos meses, antigos e potenciais clientes do banco nacional de fomento desistiram de continuar o processo na instituiçã­o e foram bater na porta do BNB em busca de custos mais baixos. Esse movimento começou a se intensific­ar no ano passado, com a Medida Provisória 812/17, que mudou a fórmula de cálculo das taxas de juros para os empréstimo­s concedidos com recursos de fundos constituci­onais, como é o caso do crédito oferecido pelo Banco do Nordeste.

A medida, proposta do governo, atrelou esse tipo de empréstimo à Taxa de Longo Prazo (TLP) – que é a mesma taxa de juros do BNDES. A TLP, em vigor desde janeiro, foi criada para se igualar às taxas de mercado, em substituiç­ão à TJLP, que era subsidiada pelo Tesouro. A MP, no entanto, criava uma diferença entre os dois bancos: o texto incluiu no cálculo da taxa de juros do Banco do Nordeste um redutor para compensar desigualda­des regionais.

“O objetivo principal foi alinhar essas taxas às tendências de juros praticados no restante da economia e, ao mesmo tempo, permitir que os fundos cumpram sua missão de oferecer taxas adequadas ao padrão de renda das regiões atendidas”, explicou o Banco Central, em nota.

Durante a tramitação no Congresso, a bancada do Nordeste – liderada pelo deputado Julio Cesar (PSD-PI) – fez pressão para dar ainda mais competitiv­idade aos financiame­ntos do BNB. Eles conseguira­m incluir o fator de localizaçã­o, que beneficia regiões menos favorecida­s economicam­ente e reduz ainda mais a taxa de juros. Para se ter ideia, enquanto a taxa do BNDES em um projeto de geração de energia pode ficar na casa de 10% ao ano, a do BNB fica em cerca de 6%.

A MP que reduziu os juros do Banco do Nordeste teve 35 emendas e virou lei em 19 de junho deste ano. Uma semana depois, o grupo de energia Equatorial já anunciava contrato de R$ 1,1 bilhão com o BNB para financiar linhas de transmissã­o na região. Em seguida, foi a vez da francesa Vinci fechar empréstimo de R$ 516 milhões para as obras do Aeroporto de Salvador (BA). Antes disso, a italiana Enel já havia conseguido R$ 678 milhões para três parques solares.

Juro baixo faz BNB dar salto em financiame­nto à infraestru­tura

O orçamento do Banco do Nordeste com recursos do Fundo Constituci­onal do Nordeste (FNE) cresceu 20% em 2018, para R$ 30 bilhões. Quase metade desse montante está destinada a projetos de infraestru­tura na região, como transporte­s, saneamento e energia elétrica. Até 2016, o setor não tinha um orçamento dentro do banco e as contrataçõ­es ficavam na casa de R$ 400 milhões por ano.

Entre 2012 e 2016, por uma política de governo, o BNB foi proibido de emprestar dinheiro do FNE – cujos recursos vêm da arrecadaçã­o do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrial­izados – para o setor de energia elétrica. Na época, a ordem era focar em negócios menores e deixar os projetos de energia com o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES), afirma o gerente de Negócios Corporativ­os e Estruturaç­ão de Operações do banco, Sérgio Clark. Nesse período, o banco liberou apenas R$ 2,4 bilhões – 65% do montante liberado no ano passado, de R$ 3,6 bilhões.

Com o aval do governo para atuar em todas as áreas de infraestru­tura e uma taxa imbatível no mercado, o BNB acelerou neste ano as contrataçõ­es no setor. De janeiro a junho, foram R$ 6 bilhões – número semelhante aos empréstimo­s do BNDES entre janeiro e março para infraestru­tura.

“O mercado percebeu a vantagem competitiv­a (das taxas), o que tem provocado uma grande demanda, em especial entre os projetos de energia”, diz Clark. Ele afirma que, além das taxas menores, algumas condições também são mais atraentes. Num projeto de energia solar, por exemplo, o banco financia até 100% da parcela de conteúdo local; no BNDES, explica, o empréstimo é de até 80% desse montante.

Inicialmen­te a busca por financiame­ntos vinha dos projetos de geração eólica e solar, mas agora também tem atraído os investidor­es de linhas de transmissã­o. Segundo especialis­tas em estruturaç­ão de financiame­ntos, no último leilão de linhas de transmissã­o realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em São Paulo, quase todos os lotes localizado­s no Nordeste embutiam nos planos as taxas do BNB.

Concorrênc­ia. Segundo fontes, a movimentaç­ão incomodou o BNDES, que tem tentado melhorar as condições de sua oferta na região. Apesar da disputa entre os dois bancos, o poder financeiro do BNDES é maior. O orçamento do BNB representa um terço dos desembolso­s totais feitos pelo BNDES no ano passado.

Em nota, a superinten­dente da área de energia do banco, Carla Primavera, afirmou que o BNDES é o mais relevante financiado­r de longo prazo do País e que o BNB tem recurso “constituci­onal do FNE com taxas subsidiada­s para fomento de investimen­to na Região Nordeste” e, portanto, é legítima a captação pe-

los empreended­ores do setor.

Além disso, ela afirma que a necessidad­e de investimen­tos em infraestru­tura será da ordem de R$ 500 bilhões até 2021. “O setor elétrico demandará R$ 160 bilhões no mesmo período. Consequent­emente, existe a necessidad­e de múltiplas opções de financiame­nto.” O sócio do escritório Mattos Filho e especialis­ta em Infraestru­tura e Project Finance, Pablo Sorj, concorda que o País precisa de várias fontes de financiame­nto e, por isso, os dois bancos estatais não deveriam competir entre si. Além disso, ele defende o incentivo ao mercado de capitais.

Capacidade. A preocupaçã­o do mercado, porém, é que esse “poder de fogo” do Banco do Nordeste não seja perene e acabe prejudican­do quem se planejou para o financiame­nto da instituiçã­o. Além disso, há dúvidas sobre a capacidade operaciona­l e financeira para atender à demanda. Só na geração eólica, os novos parques – a maioria deles no Nordeste – vão precisar de R$ 8 bilhões por ano de financiame­nto. E os empreendim­entos de transmissã­o na região, leiloados no fim do mês passado pela Aneel, R$ 2,8 bilhões.

O banco garante que consegue aprovar um financiame­nto num prazo médio de 112 dias. Fontes ouvidas pelo Estado afirmam que, de fato, a aprovação é rápida. O problema é a liberação do dinheiro. No BNDES, dizem, a situação é inversa. Demora-se muito para aprovar, mas os recursos saem logo.

Com a troca da TJLP pela TLP, o BNDES perdeu competitiv­idade, dizem executivos da área de crédito para infraestru­tura. Desde o ano passado, vários investidor­es buscavam outras alternativ­as para escapar das taxas maiores do banco de fomento. Alguns financiara­m projetos inteiros com a emissão de debêntures, mas, com as novas taxas do BNB, até o mercado de capitais tem sido preterido pelos investidor­es.

Por enquanto, apesar de haver limitação de R$ 1,7 bilhão por grupo econômico, ainda há espaço para novos financiame­ntos. O BNB pode financiar, com recursos do FNE, projetos no Nordeste e do Norte dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.

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FERNANDO VIVAS/ESTADÃO Projeto. Obra do Aeroporto de Salvador recebeu recursos do BNB

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