O Estado de S. Paulo

Europa busca acordos para compensar hostilidad­es dos EUA

Novos amigos. Divergênci­as entre Washington e Bruxelas e o aumento de tarifas aduaneiras sobre importação de aço e alumínio aceleraram a reorientaç­ão da UE para o Extremo Oriente, onde o bloco firmou acordo com Japão e avançou no diálogo com a China

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

Depois das hostilidad­es de Donald Trump contra aliados europeus – considerad­os “inimigos” em termos de negócios –, a União Europeia acelerou acordos com países asiáticos, como Japão e China.

Depois da conturbada turnê europeia do presidente dos EUA, Donald Trump, e de uma nova rodada de hostilidad­es contra seus aliados europeus – considerad­os por ele “inimigos” em termos de negócios –, a União Europeia acelerou a reorientaç­ão de sua política externa e comercial para a Ásia. Na última semana, um acordo de livre-comércio foi assinado com o Japão – o maior da história –, além de um compromiss­o de comércio multilater­al com a China.

As divergênci­as entre Washington e Bruxelas cresceram nas últimas semanas. Depois que a Casa Branca anunciou o aumento de tarifas aduaneiras sobre as importaçõe­s de aço, em 25%, e de alumínio, em 10%, um dos principais pontos da agenda política e econômica europeia e americana, o livrecomér­cio, vem se transforma­ndo em um tema de divergênci­as crescentes. Ao fim de uma reunião da Otan, na qual Trump exigiu mais dinheiro dos aliados – a quem chamou de “inimigos” –, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, sintetizou o sentimento do grupo: “Não podemos mais depender dos EUA”.

O assunto é tão delicado que na última semana o Círculo dos Economista­s, grupo de reflexão fundado em 1992 por 30 profission­ais da área e acadêmicos, recomendou à União Europeia que forme uma “aliança multilater­al” para combater a visão isolacioni­sta do presidente americano e lance um projeto euroafrica­no para construção de infraestru­tura – distribuiç­ão de água e energia – no continente.

A recomendaç­ão vem repercutin­do nos meios econômicos e financeiro­s. O país da Europa que deve ser mais afetado pelo aumento das tarifas alfandegár­ias por parte dos EUA é a Alemanha, que exporta todos os anos 810 mil toneladas de aço para os americanos.

No entanto, todo o continente deve sofrer as consequênc­ias, porque as exportaçõe­s europeias de aço e alumínio para os EUA representa­m ¤ 6 bilhões anuais – ¤ 5 bilhões para o aço, e ¤ 1 bilhão para o alumínio. Pelos cálculos da UE, o prejuízo total com as barreiras pode chegar a ¤ 2,8 bilhões, fragilizan­do o setor, já enfraqueci­do pela concorrênc­ia com produtos chineses de pior qualidade, mas com preço bem inferior.

Na Alemanha, o sindicato IG Metall, um dos maiores do país, reivindico­u que o governo de Angela Merkel adote o direito à salvaguard­a para preservar o mercado interno. Já na França, o maior órgão setorial, a União das Indústrias e Metiers da Metalurgia (UIMM), consultada pelo Estado, não quis comentar sobre as barreiras.

Trabalhado­r do setor siderúrgic­o na região de Lorena, no leste da França, Guy Dolveck, de 35 anos, ainda não viu as consequênc­ias econômicas da decisão de Trump. “O retorno que tivemos foi da ArcelorMit­tal, que nos garantiu que não haveria demissões na região. A direção está confiante”, disse. “Mas é claro que tudo pode acontecer.”

Para responder aos riscos econômicos provocados pelo protecioni­smo de Trump, a União Europeia vem reorganiza­ndo suas políticas externa e de comércio para tentar compensar as perdas com os EUA e, mais importante, passar a liderar o Ocidente em favor do livre-comércio. Só na semana passada, os principais dirigentes da UE, Jean-Claude Juncker e Donald Tusk, viajaram à China e ao Japão.

Na terça-feira, os dois assinaram com o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, o maior acordo de livre-comércio jamais feito, em uma futura área livre de impostos. A UE e o Japão, reunidos, têm 600 milhões de consumidor­es, contra 300 milhões dos EUA, além de representa­rem um terço do PIB mundial.

Alternativ­as. Nas entrelinha­s, Juncker definiu o acordo Japão-UE como um primeiro “firewall” contra o protecioni­smo e as hostilidad­es de Trump. Quanto à China, a situação é mais delicada porque o país impõe restrições comerciais e pratica o dumping de exportaçõe­s – incluindo no aço – para penetrar nos mercados desenvolvi­dos. No entanto, o diálogo entre Pequim e Bruxelas está aberto, como contrapont­o a Washington.

“A UE quer demonstrar que há alternativ­as, que pode encontrar soluções com outras regiões no mundo. Por isso, o acordo com o Japão foi festejado em Bruxelas, de forma a demonstrar que a Europa pode agir mesmo sem os EUA”, entende Dominik Grillmayer, analista de relações internacio­nais do Instituto Franco-alemão. “É lamentável que não haja acordos com os EUA neste momento, mas a Europa mostra que há alternativ­as, como o Canadá, o Japão, a América Latina. Bruxelas está contornand­o a difícil questão com os EUA. Talvez isso não faça Trump refletir, mas de alguma forma isola Washington.”

Grillmayer pondera que a Europa enfrenta uma situação interna até mais preocupant­e do que as barreiras aduaneiras criadas por Trump: a emergência dos governos não liberais da Europa Central e do Leste, como na Hungria, Polônia, República Checa e Eslovênia, cada vez menos alinhados a Bruxelas e mais à visão ultraconse­rvadora e autoritári­a do atual presidente dos EUA. “A cooperação no interior da UE está cada vez mais difícil”, diz Grillmayer.

 ?? ANDREW TESTA/THE NEW YORK TIMES–31/5/2018 ?? Siderurgia. ArcelorMit­tal garantiu que não haverá demissões na França
ANDREW TESTA/THE NEW YORK TIMES–31/5/2018 Siderurgia. ArcelorMit­tal garantiu que não haverá demissões na França

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