O Estado de S. Paulo

Série vai retratar lobbies

Antes focada em demandas pontuais, bancada do funcionali­smo ganhou visibilida­de durante votação da reforma da Previdênci­a

- Adriana Fernandes Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

O Estadão/Broadcast publica hoje a primeira reportagem da série que retrata a atuação dos lobbies mais poderosos no Congresso. Juntas, essas bancadas reúnem 286 deputados.

Um quarto dos deputados federais é servidor público e atua hoje como a maior força de pressão no Congresso Nacional. Antes dispersa e focada em demandas pontuais, essa bancada se uniu e ganhou visibilida­de durante a votação da reforma da Previdênci­a ao reagir à ofensiva do governo, que dizia atacar os privilégio­s do funcionali­smo.

É a atuação desse e de outros grupos de interesse no Congresso que o Estadão/Broadocast passa a publicar a partir de hoje. A reportagem ouviu centenas de parlamenta­res, assessores e representa­ntes dos quatro mais poderosos lobbies do Parlamento (os outros três serão apresentad­os nas próximas semanas). Esses grupos têm 289 deputados ou 32 votos a mais do que a maioria absoluta (257) da Casa.

Fortalecid­o, o grupo ligado aos servidores públicos trabalha para estimular candidatos que patrocinem a agenda do funcionali­smo com o objetivo de manter a influência sobre o Legislativ­o e impedir medidas de ajuste fiscal que são esperadas para o próximo governo e que afetarão as categorias. “É o lobby mais poderoso que tem no Brasil, sem nenhum pudor de defender privilégio­s”, diz o relator da reforma da Previdênci­a, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), que viu a proposta ser engavetada diante da pressão do funcionali­smo.

O Estadão/Broadcast fez um mapeamento inédito dessa bancada. Ela é pouco conhecida e age sem alarde, mas tem expandido seu alcance com sucesso, barrando projetos que vão contra seus interesses e aprovando propostas que beneficiam o funcionali­smo. Dos 513 deputados, 132 são servidores (25,7% do total). Eles estão espalhados em partidos de diferentes campos ideológico­s – do PT ao PSDB, passando por PSOL, MDB, DEM, entre outros – e não têm bandeira única.

Mesmo entre aqueles que não são servidores, a atuação em defesa das categorias é ampla. Seis em cada dez parlamenta­res da Câmara já interceder­am pelas categorias. Ao todo, 304 deputados que já apresentar­am propostas ou requerimen­tos que favorecem os funcionári­os públicos, na maior parte das vezes em projetos que elevam salários ou desoneram as carreiras de tributos. Entre os deputados servidores, 72% já atuaram pró-funcionali­smo. Segundo o IBGE, são 11,5 milhões de empregados no setor público, 5,5% da população.

Eficácia. A quantidade de entidades dificulta a tentativa do governo de se blindar contra a pressão. No Executivo, são 267 sindicatos e associaçõe­s com as quais precisa negociar. É por isso que a eficácia de atuação é maior do que a de outras bancadas mais barulhenta­s e com grande repercussã­o em redes sociais.

Seu poder de fogo foi decisivo para enterrar não só a reforma da Previdênci­a, mas também medidas considerad­as pela área econômica como cruciais para o ajuste, como o adiamento do reajuste de servidores e a reestrutur­ação das carreiras, proposta que limitaria o salário inicial da maior parte das categorias a R$ 5 mil. Hoje, as dez carreiras mais bem remunerada­s têm salários iniciais a partir de R$ 20.109,56, e ganham até R$ 29.604,70.

Mesmo com a pressão contrária, o grupo também tem conseguido adiar o fim dos chamados “pendurical­hos”, benefícios como auxílio-moradia que muitas vezes fazem os salários superarem o teto do funcionali­smo, hoje em R$ 33.763,00.

Mais recentemen­te, barrou a tentativa de proibir aumentos salariais em 2019, que será o sexto ano com gastos maiores que as receitas, e garantiu caminho aberto para brigar por reajustes no primeiro ano do mandato do próximo presidente. A força do grupo ficou exposta na votação no plenário. Pouco antes de seu início, a liderança o MDB, partido do presidente Michel Temer, orientou o voto a favor do projeto. Diante da resistênci­a da bancada, a liderança voltou atrás e passou a aconselhar o voto contrário ao congelamen­to.

Na área econômica do governo, há uma preocupaçã­o com essa força de mobilizaçã­o, porque ela tem desequilib­rado as negociaçõe­s das medidas fiscais no Congresso. Os tentáculos da bancada também estão no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Ministério Público. No fim de 2017 e às vésperas do recesso judiciário, o ministro do STF Ricardo Lewandowsk­i deu liminar suspendend­o o adiamento dos reajustes proposto pelo governo para equilibrar suas contas. A decisão teve apoio da procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, e deixou o governo sem margem para recorrer a tempo de evitar os aumentos salariais.

Frentes. No Congresso, existem formalment­e a Frente Parlamenta­r Mista em Defesa do Serviço Público, que reúne 196 deputados, e a Frente Parlamenta­r Mista em Defesa dos Servidores do Poder Judiciário, da União e do Ministério Público da União, com 218 deputados. O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), que coordena a Frejusmpu, diz que ajuda os servidores em causas que ele acha justas. Sávio admite, porém, que há “abusos” na mobilizaçã­o”. / COLABORARA­M NEILA ALMEIDA e PAULO OLIVEIRA, ESPECIAIS PARA O ESTADO

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DIDA SAMPAIO / ESTADÃO Pressão. Servidores federais conseguira­m paralisar reforma da Previdênci­a

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