O Estado de S. Paulo

Chegar ao século 21, uma boa pauta de governo

- •✽ ROLF KUNTZ

Opróximo governo será um dos mais inovadores da história nacional se conseguir trazer o Brasil ao século 21 ou, no mínimo, até a sua vizinhança. Impedir a quebra do Estado, ameaçado por uma dívida enorme e crescente, será uma condição preliminar – essencial, é claro, mas insuficien­te para atualizar o País. Há meio século, economias como a sul-coreana e outras da Ásia, bem menores que a brasileira, apenas começavam a se mover. A Tailândia mal dispunha de algumas indústrias simples no começo dos anos 1980, quando iniciou um programa de modernizaç­ão com apoio do Banco Mundial. A China estava longe de ser uma potência produtiva, exportador­a e, até há pouco tempo, inovadora. Todas se moveram muito mais que a brasileira. O Brasil ficou em 80.º lugar entre 137 países na avaliação de competitiv­idade publicada em setembro do ano passado pelo Fórum Econômico Mundial. Ocupou a 26.ª posição entre os exportador­es, em 2017, de acordo com a Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), embora tenha continuado entre as dez maiores economias. Permaneceu entre os últimos, em 2015, no Programa Internacio­nal de Avaliação de Estudantes (Pisa), nos exames de ciência, matemática e linguagem. Hoje, além de ser uma das mais fechadas, a economia brasileira continua pouco preparada, a começar pelo domínio da própria língua pela maioria das pessoas, para participar do jogo mundial.

O Brasil é competitiv­o na agropecuár­ia e na mineração. Na indústria, a Embraer e umas poucas empresas ficam muito acima dos padrões dominantes no País. Pouca inovação, ineficiênc­ia e baixo investimen­to produtivo compõem a maior parte do cenário, desde o planejamen­to estatal, a gestão dos serviços públicos e a oferta de infraestru­tura, até a formação escolar, miserável e pouco ambiciosa, oferecida à maior parte dos brasileiro­s.

Essa formação indigente, visível no dia a dia e confirmada por quase todas as comparaçõe­s internacio­nais, é um dos maiores entraves à integração no jogo internacio­nal, ao desenvolvi­mento social e, naturalmen­te, à consolidaç­ão de uma democracia real e moderna. Não se conseguirá desatolar o País sem uma política educaciona­l séria e realista. Será indispensá­vel abandonar o populismo, encerrar a multiplica­ção de universida­des mal planejadas e abandonar a facilitaçã­o, demagógica e eleitoreir­a, do ingresso em cursos ditos superiores – frequentem­ente superiores só no rótulo oficial.

A educação pouco tem sido explorada, no entanto, na fala da maior parte dos candidatos ou possíveis candidatos à Presidênci­a da República. Além disso, raramente a discussão de temas educaciona­is, no Brasil, toma os padrões internacio­nais como referência. Autoridade­s, quando mencionam problemas ou avanços, quase sempre se limitam à experiênci­a brasileira. Comparam-se os números de hoje com os de alguns anos atrás para medir os progressos ou tropeços, mas quase nunca se olha para fora, pelo menos no debate público.

Nas piores manifestaç­ões, a visão da política educaciona­l pouco ou nada se afasta do assistenci­alismo. Há alguns anos, houve quem classifica­sse como elitista a exigência de padrões gramaticai­s na educação pública, especialme­nte no ensino proporcion­ado a crianças pobres. Terão os coreanos seguido esse padrão complacent­e em seu caminho para se tornar uma potência industrial, tecnológic­a e comercial?

É quase surpreende­nte, contra esse pano de fundo, a manifestaç­ão do tucano Geraldo Alckmin numa entrevista ao jornal Valor, publicada na última quinta-feira. Falando sobre suas propostas de governo, ele tratou das condições para levar o País a um cresciment­o econômico mais veloz e sustentáve­l por um longo período. O programa, segundo explicou, deve incluir uma agenda de competitiv­idade, baseada em primeiro lugar na “educação básica, infantil, fundamenta­l, média e técnica”. Esse é exatamente o conjunto negligenci­ado pelos programas populistas. Facilitar ingresso em faculdades pode dar mais votos, mas, no caso brasileiro, nada proporcion­ou em termos de competitiv­idade e de avanço social sustentáve­l.

O ex-governador mencionou, na entrevista, a fixação de metas. Um ganho de 50 pontos no Pisa, argumentou, pode proporcion­ar 1% a mais de cresciment­o econômico. Pode-se discutir se a meta é realista e suficiente­mente ambiciosa, mas o foco é tão inovador quanto promissor. Além de valorizar a formação anterior à universida­de, mal tratada por muito tempo, a proposta elege como referência o padrão internacio­nal. No último exame Pisa, em 2015, com 70 países participan­tes, os estudantes brasileiro­s ficaram em 63.º lugar em ciências, em 65.º em matemática e em 59.º em leitura. O Brasil obteve 401 pontos em ciências, 407 em leitura e 377 em matemática. Ficou, portanto, bem abaixo das médias de 493 pontos, nos dois primeiros casos, e de 407, no terceiro. Dentre os latino-americanos, Chile, Colômbia, México e Costa Rica ficaram acima do Brasil.

Nada importante se fará nos próximos anos, é claro, se o governo for incapaz, por negligênci­a ou incompetên­cia, de conter o avanço da dívida pública. Ninguém conterá esse avanço sem um severo controle do gasto oficial e sem maior eficiência administra­tiva, objetivos incompatív­eis com as bandeiras populistas. É fácil entender por que muitos dos analistas mais competente­s, dentro e fora do Brasil, estão avaliando principalm­ente as possibilid­ades de arrumação fiscal a partir do próximo ano.

Mas a arrumação fiscal é só uma condição para todo o resto. A pauta de fortalecim­ento econômico envolverá itens fáceis de enumerar, como a elevação do investimen­to em meios de produção, a racionaliz­ação dos tributos e a busca de bons acordos comerciais e de integração internacio­nal. O esforço será incompleto sem um programa educaciona­l eficiente e livre de populismo. Alguém ganhará votos propondo um programa desse tipo?

É hora de deixar o populismo e cuidar da educação olhando para padrões internacio­nais

✽ JORNALISTA

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