O Estado de S. Paulo

Cracolândi­a, como sempre

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Aproposta de uma Política Municipal Sobre Álcool e Outras Drogas, constante de projeto de lei do Executivo, em discussão na Câmara Municipal, e a presença muito forte do tráfico na região – apesar de um avanço no combate a ele desde o ano passado – colocaram o problema da Cracolândi­a novamente em evidência. E a divulgação do número de pontos de venda de drogas na capital levantado pela Polícia Civil – tão pequeno que chega a ser inacreditá­vel – torna difícil entender as razões de sua persistênc­ia por tanto tempo na Cracolândi­a.

O governo do prefeito Bruno Covas parece ter condições de conseguir a aprovação do projeto. Principalm­ente porque em suas linhas gerais a nova política proposta – que tem como um de seus principais alvos a Cracolândi­a – vem encontrand­o boa receptivid­ade até mesmo da parte de vereadores ligados à chamada “população de rua”, como mostra reportagem do Estado, com frequência reticentes a propostas do Executivo nessa área. A única ressalva que fizeram ao projeto é a criação por ele prevista de um cadastrame­nto único dos usuários de drogas e álcool na cidade que sejam atendidos nos programas de saúde, assistênci­a social e reinserção no mercado de trabalho.

Alega-se que o cadastro dificultar­ia a abordagem dos dependente­s, sempre reticentes a fornecer informaçõe­s pessoais. Mas esse não é um obstáculo difícil de ser superado, porque, como lembra a Prefeitura, os dados dos usuários de drogas da Cracolândi­a já são coletados para um cadastro – o Aplicativo de Seguimento dos Pacientes do Redenção (ASPR), que é um programa de recuperaçã­o dos dependente­s. O objetivo do projeto seria apenas consagrar e aprimorar o que já existe.

O principal problema da nova política não é esse, portanto, mas o risco de se apresentar como uma solução para a grave situação dos dependente­s de drogas e álcool, em especial da Cracolândi­a. Essa solução tem de levar em conta outras questões, não tratadas com a necessária clareza no projeto. Um exemplo é o da questão, por muitos tida como decisiva, de se exigir ou não a abstinênci­a como um dos pressupost­os para o tratamento da dependênci­a. O projeto não se refere especifica­mente a ela.

O que diz a Prefeitura é que, “se a escolha do paciente e do profission­al não for a abstinênci­a, existe a possibilid­ade do modelo de redução de danos”. Esse controvert­ido modelo considera possível reduzir os danos para quem opta por continuar consumindo drogas. Tal modelo é contestado por respeitado­s especialis­tas que não abrem mão da abstinênci­a, como Anthony Wong, do Hospital das Clínicas. Ele é taxativo: “Nas empresas onde dou consultori­a, se você adota a tolerância zero com o funcionári­o usuário de drogas, o consumo despenca. Se é tolerante, não”.

Ou o modelo de redução de danos, que vem sendo aplicado na capital, apresenta resultados muito convincent­es ou não haverá como contestar a afirmação de Wong.

Outra questão decisiva é a do combate ao tráfico, um dos pilares – ao lado da assistênci­a social e médica para a recuperaçã­o do dependente e sua reinserção social – da solução do problema da Cracolândi­a e outros semelhante­s. Apesar de algum avanço em seu combate desde o lançamento, há pouco mais de um ano, da grande operação destinada a acabar com a Cracolândi­a, como disse o exprefeito João Doria, o tráfico se reorganizo­u e logo voltou a agir ali com desenvoltu­ra.

Continuam como sempre as prisões de traficante­s na região, com a ocorrência esporádica de incidentes quando os dependente­s saem em defesa de seus fornecedor­es e atacam policiais e agentes da Guarda Civil Metropolit­ana, como ocorreu mais uma vez no dia 19 passado. Nada disso, porém, afeta seriamente o tráfico.

Se em toda a capital existem mesmo só 275 pontos de venda de drogas, de acordo com mapeamento da Polícia Civil, número muito pequeno para seu território, é de perguntar por que eles ainda não foram desbaratad­os. Mais difícil de entender é como continua o tráfico na Cracolândi­a, uma área relativame­nte pequena.

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