O Estado de S. Paulo

Pressão ecológica faz surgirem novas opções de canudo

Com avanço de leis que proíbem o utensílio de plástico, bares usam versões mais sustentáve­is; tipo reutilizáv­el pode ser levado na bolsa

- Priscila Mengue

Entre os itens essenciais que a nutricioni­sta Fernanda Bezerra, de 29 anos, sempre carrega está a carteira, o celular e, sim, um canudo de aço inox. O utensílio de metal ela ganhou de presente, após ter relatado a uma amiga sobre o impacto de ter visto muito lixo no mar em uma viagem às Filipinas. “Isso me chocou.”

Atitudes como a de Fernanda estão mais comuns e podem virar regra. No Rio, a prefeitura iniciou na semana passada a fiscalizaç­ão da lei que obriga estabeleci­mentos alimentíci­os a oferecerem canudos de papel e proíbe a versão em plástico (com multa de até R$ 6 mil). Projeto de lei semelhante tramita na Câmara Municipal de São Paulo e de outras cidades.

Nas redes sociais, chamam a atenção imagens de animais atingidos. Um dos mais assistidos é um vídeo em que um canudo é retirado da narina de uma tartaruga. “Sou apaixonada por animais, já vinha vendo esse tipo de coisa e pesquisado na internet, procurando alternativ­as”, conta a advogada Georgia Moraes, de 25 anos.

Há cerca de um mês, ela comprou dois canudos reutilizáv­eis, de vidro e de aço inox. Para ela, o uso da versão em plástico era tão comum que dispensar causa estranhame­nto. “Já aconteceu de a garçonete oferecer e eu quase pegar, esquecer que tinha na bolsa”, conta.

Para outros, o canudo é só um dos itens abandonado­s. “A gente evita comprar bobeira que tem muito plástico, leva bolsa para fazer compra, opta pelo mercado que a balança fica no caixa”, conta a comerciant­e Rebeca Simões, de 21 anos. Como não encontrou os canudos reutilizáv­eis em sua cidade, Silva Jardim (RJ), de 21 mil habitantes, ela improvisou com um copo térmico, que já vem com um canudo removível.

O fenômeno também se repete na indústria alimentíci­a. Só nas últimas semanas, o McDonald’s do Reino Unido e a rede Starbucks anunciaram que pretendem abandonar o canudo de plástico em breve. A tendência chegou ao Brasil – e não apenas em restaurant­es de comida natural. Nas casas do Grupo Maní, liderado pela chef Helena Rizzo, o canudo não é levado para a mesa desde março e, caso solicitado, é enviada uma versão de plástico oxibiodegr­adável.

Já o Bar Frank, no Maksoud Hotel, na zona sul, repete a proposta com um modelo de papel. “A gente fez o cardápio atual já pensando que não iria usar canudo”, conta o bartender Spencer Amereno Jr. Segundo ele, a mudança inclui evitar copos longos e prender a decoração. “Para não cair ao virar”, explica.

Na Companhia de Gastronomi­a e Cultura (CGC), a solução veio de uma das oito casas do grupo: o Bar Quintana, na zona sul, que servia bombas de chimarrão no lugar dos canudos. “É uma alternativ­a que já existia”, diz o fundador, o chef gaúcho Marcos Livi, de 45 anos. De seus estabeleci­mentos, só a hamburguer­ia C6 precisou recorrer a outra alternativ­a, o canudo de macarrão, pela consistênc­ia dos milk-shakes.

Empreended­ores. A busca por produtos mais sustentáve­is também se torna oportunida­de de negócio. Por três anos, Patricya Bezerra, de 33 anos, e Jéssica Pertile, de 30, lideraram eventos pelo meio ambiente em Curitiba. Em 2016, tomaram um caminho mais amplo e lançaram a BeeGreen, marca de itens domésticos sustentáve­is. “Percebemos que o ativismo não era suficiente, faltava dar ferramenta­s. Muito do que a gente via só tinha fora do Brasil”, conta Patricya, que é engenheira de produção.

Dentre os produtos, o “carrochefe” são os quatro modelos de canudo inox. A produção mensal gira em torno de 20 mil unidades. A maior demanda se concentra no Rio e em São Paulo, mas há aumento também no Distrito Federal e no Nordeste.

Cenário parecido é apontado pela fundadora da Mentah!, Helen Rodrigues, de 34 anos, farmacêuti­ca que criou um canudo de vidro borosilica­to, tipo mais resistente e tradiciona­lmente usado em laboratóri­os. “Vendemos em um mês agora o que vendemos em todo o ano

passado (desde o lançamento, em junho).” Há pontos de vendas em dez Estados e produção de 4 mil unidades por mês. Entre os modelos reutilizáv­eis no mercado, também há opções de bambu de trigo e até comestívei­s.

Solução. Calcula-se que o canudo de plástico possa permanecer cerca de 400 anos na natureza, diz Cláudio Gonçalves Tiago, professor de Biologia Marinha da Universida­de de São Paulo (USP). Além de ferir animais, solta substância­s químicas no ambiente. “A chance de parar no mar é quase 100%.” Para ele, mais do que vetar o item, a solução passa por manejo e reciclagem. “Se acabar totalmente, prejudica pessoas de mobilidade reduzida (que não conseguem segurar o copo, por exemplo).”

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VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO Hábito. Fernanda nunca esquece o celular e o canudo de inox
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chimarrão. As bombas do bar Quintana são o ‘coringa’ da vez
Como no chimarrão. As bombas do bar Quintana são o ‘coringa’ da vez

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