O Estado de S. Paulo

Semana estranha

- UGO GIORGETTI E-MAIL: UGOG@ESTADAO.COM

No último domingo, pelo meio da tarde, a Copa deveria ter acabado. Uma semana depois constatamo­s que não acabou. Ou pelo menos não acabou de todo. Caminha para o fim lentamente. Na segunda-feira, jogos inteiros ainda viajavam dentro das nossas cabeças e lances decisivos surgiam intactos diante de nossos olhos com nitidez.

Nos dias seguintes, notícias tímidas de nossos clubes desapareci­dos começaram a se intrometer no noticiário como penetras numa festa para a qual não tinham sido convidados. Não acho que muita gente notou. Quem ainda se lembrava de Palmeiras, Corinthian­s, São Paulo, etc? Quem se lembrava ainda da classifica­ção do Brasileiro? Quem era o líder?

Todo esse mundo sepultado pela Copa tentava desesperad­amente mostrar que não estava morto. A luta contra os vestígios da Copa já dura quase uma semana e os times do Brasil também pouco a pouco vão aparecendo. Na quarta-feira já se viu que Corinthian­s e São Paulo voltaram e venceram. Mas foi só na quinta-feira que realmente alguma coisa se mexeu e as cores do Brasileiro ganharam intensidad­e. Para minha surpresa, já que também para mim a Copa não tinha passado inteiramen­te, havia público bom no Pacaembu para ver Santos e Palmeiras. Talvez esse jogo tenha sido um marco da ressurreiç­ão do futebol por aqui, mas de qualquer forma acho que ainda vai demorar para que todos se esqueçam do que aconteceu em junho/julho na Rússia.

Pode ser que a razão seja a de que finalmente tivemos uma Copa alegre. Não nervosamen­te vibrante, não descontrol­ada emocionalm­ente, não competitiv­a até ao delírio, mas apenas alegre. Uma espécie de alegria de viver, de comemorar sem motivo, que fez com que até os temíveis hooligans se mantivesse­m calmos durante a competição.

É verdade que a polícia de Putin não é notável pela delicadeza, o que ajuda a tranquilid­ade. Mas houve mesmo alegria. Foi, acho, a primeira vez em que cinco países comemorara­m ao mesmo tempo suas participaç­ões na Copa e receberam seus atletas como heróis sem dar qualquer importânci­a à classifica­ção obtida. Aeroportos e sisudas praças de cidades europeias multi centenária­s abrigavam alegres multidões.

Essa Copa reservou surpresas até na festa de encerramen­to, geralmente insuportáv­eis. Já tinha visto alguma coisa de Brasil no meio das pessoas que se aglomerava­m nas praças. A Europa já sai dessa Copa com outra cara, mais misturada, mais morena. Um povo parecido com o brasileiro começa a mostrar sua cara na Europa. Mesmo na festa de encerramen­to apareceu o Brasil em toda a sua alegria. Não é que, no meio de russas, creio, que dançavam freneticam­ente, aparece atacando um surdo o nosso Gaúcho? Sim, ele, representa­nte máximo do nosso já longínquo futebol arte, marcava o ritmo com toda a elegância brasileira. Quem teve essa ideia provavelme­nte sentiu que uma Copa tão alegre não podia acabar com tristeza brasileira. E chamaram um dos únicos que podem acabar com qualquer tristeza: Gaúcho.

O episódio um pouco surrealist­a do Gaúcho batucando também foi típico dessa Copa diferente. Como os treinadore­s. Nunca tinha visto uma fauna tão bizarra, um elenco tão impression­ante. Ao ver o técnico da Argentina, por exemplo, pensei que um domador aposentado de circo de periferia tinha invadido a cancha. Isso para não falar no técnico da Rússia, que dava a impressão de não saber se tinha ganho ou perdido a partida. Mas ainda acredito que quem vai fazer escola no Brasil é o britânico dos coletes. Alfaiates de São Paulo que se preparem para as encomendas. O Tite quase escapou do anedotário não fosse um tombo de desenho animado que deixou visivelmen­te em pânico até a comissão técnica adversária. Pena que tudo isso já esteja cada vez mais longe.

A luta contra os vestígios da Copa do Mundo já dura quase uma semana

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