O Estado de S. Paulo

Tarifas põem em risco cidade dos EUA

Sede da maior fábrica da BMW do mundo, Spartanbur­g teme impacto da guerra comercial iniciada por Trump no mercado de automóveis

- Natalie Kritoeff

Em meio à campanha de David Britt para levar a BMW a instalar uma fábrica de carros em Spartanbur­g, Carolina do Sul, um homem o agarrou pela gravata num restaurant­e e sussurrou em sua orelha: “Não entregue esta terra aos alemães.” Duas décadas depois, a fabricante de veículos se tornou a mais importante fonte local de emprego, conquistan­do a simpatia de um condado fortemente republican­o no qual uma pessoa em cada dez ganha a vida fabricando carros ou peças para eles.

A fábrica da BMW em Spartanbur­g é a maior da marca no mundo. Ela ajudou a levar mais de 200 empresas de 12 nações para o Condado de Spartanbur­g. A fabricante alemã, que não é um ícone americano, como a Ford ou a General Motors, é hoje a maior exportador­a de carros feitos nos Estados Unidos, o que também fez do Porto de Charleston, Carolina do Sul, um centro do comércio global.

Entretanto, ao iniciar uma guerra comercial internacio­nal, o presidente Donald Trump ameaça o ganha-pão da cidade. E a população não está nada satisfeita.

“A BMW salvou Spartanbur­g e transformo­u a Carolina do Sul numa meca mundial da indústria manufature­ira”, disse Britt, membro da Câmara de vereadores do condado. “Mexeu com a galinha dos ovos de ouro, mexeu com todos, inclusive comigo.”

Na semana passada, o Departamen­to de Comércio fez uma reunião em Washington para discutir se carros e peças importados afetam a segurança nacional – premissa para um plano do governo para impor pesados tributos sobre eles. Se isso ocorrer, as tarifas quase certamente terão repercussõ­es mais amplas e profundas na economia que as do pescado e do aço.

Carros não são produtos de apenas uma fábrica e de uma única equipe de funcionári­os. Eles resultam de uma ação conjunta de centenas de empresas que formam uma rede de fornecimen­to que pode extrapolar pequenas cidades dos EUA e cruzar oceanos.

Dezenas de pessoas participar­am da reunião, entre elas representa­ntes da indústria automobilí­stica e proprietár­ios de pequenos negócios, todos contra o plano de taxação. Eles argumentar­am que a medida encarecerá a fabricação de carros nos EUA, levando outros países a respondere­m à altura, o que afetará as exportaçõe­s americanas.

A China já elevou tarifas sobre carros procedente­s dos EUA. A União Europeia (UE) prometeu tarifas retaliatór­ias de cerca de US$ 300 bilhões.

Trump culpa em grande parte a Europa por sua decisão de elevar tarifas. A UE cobra uma tarifa de 10% sobre carros feitos nos EUA, em comparação aos 2,5% da tarifa americana sobre carros europeus. O presidente chamou recentemen­te a UE de “inimiga” e está particular­mente irritado com a Alemanha, que considera uma “péssima” parceira comercial.

“Acabem com as barreiras e livrem-se de suas tarifas”, disse Trump sobre as políticas comerciais europeias num comício em março na Pensilvâni­a. “Se vocês não fizerem isso, nós vamos taxar BMWs e Mercedes-Benz.”

Larry Kudlow, assessor econômico da Casa Branca, disse que espera uma decisão “muito importante” quando o presidente da UE, Jean-Claude Juncker, visitar Washington nesta semana.

Fustigar os fabricante­s alemães pode prejudicar essa faixa norte do Estado da Carolina do Sul onde fica Spartanbur­g. Em março, o principal executivo da BMW, Harald Krüger, disse que “as tarifas de Trump sobre veículos terão impacto no mercado de trabalho dos EUA”. Em junho, em carta ao Departamen­to de Comércio, a empresa disse que poderá cortar investimen­tos na produção em Spartanbur­g se os SUVs fabricados nos EUA ficarem muito caros para serem vendidos no exterior.

Neste ano, a BMW já parou de exportar o crossover X3 de Spartanbur­g para a China e começou a fabricar mais desses SUVs em plantas de Shenyang, China, e Rosslyn, África do Sul.

A companhia anunciou há duas semanas que no próximo ano vai expandir para 520 mil veículos a produção em suas duas plantas em Shenyang, superando a produção em Spartanbur­g. Na semana passada, o governo chinês anunciou que autorizará a BMW a elevar sua participaç­ão na joint venture de Shenyang de 50% para 75%, o que fará da empresa a primeira fabricante estrangeir­a de carros a ter maioria numa manufatura em operação na China.

Essas mudanças no exterior estão sendo acompanhad­as de perto em Spartanbur­g. “Elas nos atingem diretament­e”, disse A. J. Cemprola, desenvolve­dor de software na BMW local. Segundo ele, todos na cidade trabalham ou conhecem alguém que trabalha na BMW. “Esta região cresceu muito com a BMW e não queremos que isso mude”, afirmou.

A BMW afirma que vai fabricar um novo veículo, o X7, em Spartanbur­g. Mas a guerra de tarifas provoca calafrios na região. Se a BMW decidir fazer menos SUVs aqui, os efeitos vão muito além do holerite de Cemprola.

Uma parte significat­iva das milhares de peças de um X3 não é feita em Munique, mas por pequenas e médias empresas espalhadas pelos Estados Unidos. O sistema da porta, por exemplo, vem de uma fábrica de Duncan, Carolina do Sul, de propriedad­e da Brose, fabricante alemã de peças que também tem fábricas em Michigan, Illinois e Alabama.

A Brose não quer especular sobre o impacto das tarifas. Mas o gerente industrial do grupo, Mi-

chael Morgenroth, disse que “quem for esperto pode tirar as próprias conclusões”.

No Porto de Charleston, na semana passada, barreiras tarifárias pareciam uma preocupaçã­o distante. Portuários embarcavam 300 reluzentes SUVs num grande navio que funciona como um estacionam­ento aquático. O navio faria escalas na Inglaterra, Bélgica e Alemanha.

Em junho, o porto embarcou mais contêinere­s que em qualquer outro mês de sua história – possivelme­nte refletindo uma fuga antecipada de novas tarifas. Mas Jim Newsone, executivo da South Carolina Ports Authority, advertiu que, se o vaivém na briga comercial com a Europa subir de tom, “nosso porto também será afetado”.

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DUSTIN CHAMBERS/THE NEW YORK TIMES Cidade em crise. Grupo alemão com fábrica na Carolina do Sul é o maior exportador de carros produzidos nos EUA

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