Só uma recessão segura Trump
Está cada vez mais claro que o mundo pode caminhar para uma grande confusão, com a firme liderança do presidente Trump. Isso só não ocorrerá se a economia americana vier a enfrentar uma recessão a partir do próximo ano.
A mais adequada descrição do que ocorre está num artigo recente de Martin Wolf, do qual transcrevo um trecho: “No mundo do pós-guerra, a política dos EUA tinha quatro características atraentes: tinha valores essenciais cativantes; era fiel aos aliados que compartilhavam esses valores; acreditava em mercados abertos e competitivos; e alicerçava esses mercados com regras institucionalizadas. (...) Mas atualmente o presidente dos EUA parece hostil aos valores americanos essenciais de democracia, liberdade e Estado de Direito; não se sente fiel aos aliados; rejeita os mercados abertos; e despreza as instituições internacionais. Ele acredita que o poder dita as regras”. (Valor, 18/7).
É por isso que admira muito autocratas, como Putin, para os quais concede tanto. É por isso que gostaria de governar com base em ordens executivas e um Partido Republicano totalmente submisso à sua vontade.
Completa o cenário de tensão mundial a política comercial agressiva e protecionista de Trump, que está implodindo todos os acordos duramente construídos, do TPP ao Nafta, levando a uma retaliação maciça por parte dos parceiros comerciais. Essa guerra levará, inevitavelmente, a uma redução do comércio global, afetando o crescimento, em especial dos emergentes mais vulneráveis.
Em seu excelente artigo, Wolf lembra que a plutocracia manda na política americana: ela foi a grande beneficiada com a redução de impostos promovida pelo governo e, a despeito da piora persistente na situação de boa parte da classe média e da distribuição de renda, ainda assim a base republicana vota com Trump e não se importa com as barbaridades que são ditas todos os dias.
Trump herdou uma economia em boa situação: inflação baixa, contas públicas em ordem, bom crescimento e quase pleno emprego. Sua política adicionou uma expansão fiscal sem precedentes, via queda de tributos e elevação de gastos, e o protecionismo com grandes conflitos comerciais.
Como bom populista, além da infinita autoconfiança e de falar diretamente com sua base, sem a interferência do sistema político, Trump expandiu via Tesouro a economia e o emprego no curto prazo, sem perder tempo em pensar no que vem depois.
Nós latino-americanos conhecemos bem esse padrão (bom dia PT!): depois do momento de glória vem a inflação, os juros em elevação, a redução da atividade e os desequilíbrios setoriais e microeconômicos. A diferença é que, quando um país da periferia quebra, pouca gente no centro do mundo percebe. Mas na nação mais importante do planeta, que emite a moeda reserva global, o caminho da recessão e da inflação machuca a todos.
Não tenho dúvida de que isso ocorrerá em breve, especialmente porque, no presente ciclo, a produtividade americana tem crescido pouco e tudo indica, pela enésima vez, que uma redução de impostos num ambiente incerto e de conflagração não trará grande elevação de investimentos.
Assim, para muita gente no mercado financeiro, a expressiva redução do “spread” entre os juros dos títulos do Tesouro de 10 e de 2 anos, que hoje está próximo de zero, preocupa muito. No passado, toda vez que esse diferencial entrou no terreno negativo, em pouco tempo seguiuse uma recessão, pois uma forte queda no juro do título longo significa que o investimento não tem mais atrativo e é melhor privilegiar a liquidez, levando ao fim do crescimento. Vai no mesmo sentido a elevação dos prêmios de risco pago pelas empresas mais frágeis.
Entretanto, se o problema não é a tendência, a questão-chave é o “timing”: a recessão ocorrerá em algum momento do ano que vem, impedindo a reeleição do presidente americano? Ou virá mais tarde?
Por tudo isso que, em conversa com Sérgio Vale, amigo e economista-chefe da MB Associados, já há algum tempo concluímos: só uma recessão segura Trump.
O presidente dos EUA parece hostil aos valores americanos essenciais de democracia
✽ ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE