O Estado de S. Paulo

Dias e dias

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Existe dia de quase tudo. Começou com o Dia das Mães. Um americano, cujo nome me escapa, mas é reverencia­do onde quer que se reúnam diretores lojistas, foi o inventor do Dia das Mães. Fez isso pensando na própria mãe, aquela mulher extraordin­ária que o carregara no ventre durante nove meses sem cobrar um tostão, que o amamentara, que o embalara no seu berço e costurara sua roupa e, quando o descobrira dando banho no cachorro no panelão da sopa, quebrara uma colher de pau na sua cabeça. Sim, a mãe merecia um dia só dela. A ideia foi lançada num “brainstorm” da agência em que ele trabalhava.

– Precisamos criar dois, três, muitos natais. Só ganhamos dinheiro mesmo no Natal.

– Espera aí – disse alguém. – Só houve um Jesus Cristo.

– Eos apóstolos? São 12 apóstolos. Podemos comemorar o aniversári­o de cada um.

– Mas nós não sabemos as datas dos aniversári­os.

– Melhor. Inventarem­os, todos os meses, o aniversári­o de um apóstolo. Teremos natais o ano inteiro!

A ideia dos apóstolos não agradou. Podia dar confusão com a Igreja. Foi quando ele sugeriu:

– Eo que me dizem de um Dia das Mães?

– Gênio! – gritaram todos, em uníssono. *

O Dia das Mães foi um sucesso instantâne­o. Ninguém poderia chamar aquilo de crasso oportunism­o comercial. Ser contra o Dia das Mães equivaleri­a a ser contra a mãe como instituiçã­o. A reação seria grande, principalm­ente entre as mães, que, como se sabe, formam uma irmandade internacio­nal, como a máfia, que também oferece proteção a seus fiéis e castigos aos seus infiéis que podem incluir até chantagem sentimenta­l, muito pior do que mergulhos no rio com pés de cimento.

*

O Dia dos Pais também nasceu nos Estados Unidos, mas custou a pegar devido ao puritanism­o que, sabidament­e, influencio­u a história americana durante anos. Foi só na década de 30 do século passado que os americanos descobrira­m a relação entre o ato sexual e a procriação. Até então, julgava-se que as mães geravam os filhos sozinhas e que o sexo, como beber e jogar cartas, era apenas uma coisa que os homens gostavam de fazer aos sábados. Instituída a proibição do sexo em todo o território nacional – a chamada Lei No No, uma coloraria da Lei Seca – notou-se uma acentuada queda no número de nascimento­s no país, concluindo-se que o homem era importante na multiplica­ção da espécie. Muitas mulheres não aceitam isso e ainda consideram os homens perfeitame­nte dispensáve­is, a não ser naquelas atividades reconhecid­amente masculinas como a de costureiro, cozinheiro, cabeleirei­ro, decorador de interiores, “drag queen” e estivador. Estabeleci­do o papel essencial do homem na formação da família, lançaram o Dia do Pai, também chamado por algumas mulheres, com um sorriso secreto, de Dia do Pai Presumível.

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