O Estado de S. Paulo

O apelo do bem-estar com vista panorâmica

Área de lazer no alto do prédio ainda atrai por ser menos sujeita a sombra de edificaçõe­s vizinhas; mas também pode ser fonte de problemas

- Jéssica Díez Corrêa

Em regiões densamente povoadas e com escassez de terrenos, incorporad­oras aproveitam em seus projetos o topo dos edifícios para implantar áreas de lazer, principalm­ente em prédios de alto padrão, segundo profission­ais do mercado ouvidos pela reportagem.

“Fazer a incorporaç­ão é cada vez mais complicado. É uma questão de tamanho de terreno”, diz a gerente da Lello Condomínio­s, Angélica Arbex. Para ela, não é cabível que empreendim­entos novos não tenham uma boa estrutura de lazer e, por isso, o uso da cobertura é a resposta à uma necessidad­e.

Além de poderem aproveitar os espaços que não poderiam ser implantado­s no térreo por falta de espaço, os moradores ainda têm visão panorâmica da metrópole. “Todos podem desfrutar da vista privilegia­da”, reforça Andrea Bellinazzi, diretora de Inteligênc­ia de Mercado da Tegra Incorporad­ora.

O advogado José Fernando Neto, de 32 anos, conta que a piscina com borda infinita na cobertura foi um diferencia­l na aquisição de seu imóvel em Pinheiros. “É um chamariz”, afirma o morador, que conta nadar diariament­e no local.

Além da visão panorâmica, o lazer na cobertura reduz, por exemplo, a possibilid­ade de a sombra de outros arranha-céus estragar o banho na piscina. Para o arquiteto Felipe Luciano, o lazer no topo proporcion­a mais privacidad­e. “É desconfort­ável estar na piscina e moradores, inclusive de outros prédios, observando você lá embaixo.”

O arquiteto Pietro Terlizzi ressalta, ainda, um aspecto positivo em relação aos espaços de festas: “Em um salão gourmet ou churrasque­ira, há mais facilidade de escoar fumaça”.

O fato de o espaço de lazer estar no alto do prédio não encarece a taxa de condomínio. “O lazer tem um custo, mas se ele está em cima ou embaixo não é o que o torna mais sensível à cota condominia­l”, diz Angélica, da Lello.

O custo da construção, no entanto, é maior do que um prédio semelhante sem lazer na cobertura, por questões estruturai­s. É preciso reforçar o esqueleto

do edifício com vigas mais robustas e em maior quantidade, para aguentar a carga. “Áreas ajardinada­s ou molhadas, como piscinas, têm um peso bastante significat­ivo”, diz o professor de engenharia civil do Mackenzie, Henrique Dinis.

Reparos. O custo maior é repassado ao futuro comprador no preço do imóvel. “Os bairros escolhidos são os com maior movimentaç­ão imobiliári­a, para que exista um retorno com a venda da unidade”, comenta o arquiteto Felipe Luciano.

A taxa de condomínio, no entanto, também pode ser impactada se houver necessidad­e de reparos constantes nesses locais.

“Temos de pensar no que estamos entregando aos moradores, no sentido de não entregar um possível problema”, diz o sócio da incorporad­ora Magik JC, André Czitrom.

O primeiro ponto de atenção que vem à cabeça ao pensar na área de lazer na cobertura são as possíveis infiltraçõ­es causadas pela piscina. Para as incorporad­oras, no entanto, este não é um problema que tenha a ver com a localizaçã­o do espaço de convivênci­a no empreendim­ento.

“A preocupaçã­o é a mesma. Normalment­e, a piscina fica em uma laje acima da garagem, então, de qualquer forma, não poder haver vazamento”, diz Andrea, da Tegra.

O professor de engenharia civil da Universida­de Mackenzie Henrique Dinis não concorda. “Na cobertura, o vazamento é mais grave, porque provavelme­nte vai causar um prejuízo imenso ao condômino do último andar. Na garagem, é possível se adequar melhor até corrigir o problema.”

A estudante Gabriela Varella, de 23 anos, mora com a família no último andar de um edifício com lazer na cobertura, em Santo André, e entende bem dos danos causados pelas infiltraçõ­es, que acontecem em sua casa. “A parede forma bolha, estoura, estraga a tinta e a água começa a escorrer”, lamenta.

Segundo ela, a questão nunca

é resolvida de maneira efetiva, pois o custo de reforma é alto e muitos moradores do prédio se posicionam contra.

O gestor de núcleo gerencial da administra­dora Graiche, Luiz Tofoli, afirma que, quando essas situações acontecem, cabe à apólice de seguros do condomínio cobrir os danos.

Tecnologia. “Atualmente, temos tecnologia disponível para fazer uma construção que não cause problema para os andares de baixo. A questão é fazer uma boa obra e usar essa tecnologia”, afirma o sócio gestor da incorporad­ora Idea!Zarvos, Luiz Felipe Carvalho.

Segundo o advogado Leandro Mello, do Braga Nascimento e Zilio Advogados, não é necessário que as construtor­as tenham alguma licença específica para construir área de lazer na cobertura, apenas as aprovações de praxe da prefeitura.

Fernando Neto, o comprador do imóvel em Pinheiros, conta que não se preocupa com vazamentos, porque pesquisou o histórico da empresa responsáve­l pela obra antes de adquirir o empreendim­ento. O arquiteto Luciano aprova a iniciativa do morador e endossa: “Dependendo da construtor­a, piscina no topo pode ser um tiro no pé”.

Outra preocupaçã­o recorrente nesse tipo de imóvel é a logística envolvendo os visitantes. Por isso, algumas empresas implantam, por exemplo, o salão de festas no térreo. “Para que não haja um número grande de não moradores circulando pelas torres do empreendim­ento”, diz o gerente comercial da Eztec, Tellio Totaro.

Por se tratar de um lugar mais alto, todo o parapeito da área de lazer deve estar resguardad­o com guarda-corpos seguindo as instruções técnicas do Corpo de Bombeiros, afirma Tofoli.

Entretanto, é comum que o público-alvo desses empreendim­entos seja de solteiros ou casais sem filhos. “Os pais não iriam querer que uma criança desacompan­hada fosse, por exemplo, andar de bicicleta na cobertura do prédio”, comenta Carvalho.

O tráfego de pessoas indo para a cobertura também pode ser uma dificuldad­e para os elevadores, que, usualmente nos condomínio­s residencia­is, estão programado­s para atender os chamados de cima para baixo.

“Quando você tem a área de lazer no topo, o elevador tem que ter uma programaçã­o diferente e respeitar quem chama primeiro. É um fluxo diferente”, afirma o diretor da Manager Gestão Condominia­l, Marcelo Mahtuk.

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PERSPECTIV­A/INCORPORAD­ORA TEGRA
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FELIPE RAU/ESTADÃO Chamariz. Piscina no topo ‘agrega valor’, afirma Fernando Neto; construtor diz que há tecnologia para evitar infiltraçõ­es

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