O Estado de S. Paulo

1 em 6 congressis­tas gasta cota com doador

Parlamenta­res usam parte das verbas de gabinete com seus doadores de campanha

- Luiz Fernando Toledo Cecília do Lago

Um de cada 6 congressis­tas gasta parte de suas verbas de gabinete com serviços fornecidos por pessoas ou empresas que fizeram doações em suas campanhas eleitorais. Um cruzamento de dados de doações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com os gastos da Câmara dos Deputados e Senado aponta um benefício “cruzado” de R$ 2,5 milhões distribuíd­o entre 92 deputados e senadores aos seus doadores.

Os números foram obtidos a partir da ferramenta Datascópio, da organizaçã­o não governamen­tal Dados.org.

Analistas ouvidos pelo Estado apontam que o pagamento por si só não é crime, mas que há o risco de que esses “gastos cruzados” possam ocultar benefícios indevidos. Outra crítica é que este tipo de apoio aos parlamenta­res acaba virando uma espécie de acordo comercial, sem interesse público.

Em quase metade dos casos (40) identifica­dos pela reportagem, esses doadores receberam mais do que passaram às campanhas dos parlamenta­res, ou seja, o valor recebido em troca de serviços foi maior do que o doado – em um dos casos, 36 vezes maior. Os serviços mais adquiridos são os de gráficas, locadoras de veículos e gastos com postos de gasolina.

O senador e pré-candidato ao governo de Rondônia Acir Gurgacz (PDT) aparece no topo da lista. O seu gabinete destinou R$ 392,9 mil em pagamentos a Gilberto Piselo do Nascimento, que também é seu suplente e chegou a assumir o mandato por um curto período em 2016. O valor teve como destino o aluguel de imóvel do suplente para uso como escritório político do senador. Em fevereiro, Gurgacz foi condenado a 4 anos e 6 meses de prisão em regime semiaberto e suspensão dos direitos políticos por crimes contra o sistema financeiro pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, mas segue no mandato.

Nem sempre o valor gasto pelos parlamenta­res atinge o da doação feita. O deputado federal Weliton Prado (Pros-MG), por exemplo, recebeu R$ 416,2 mil em doações da Sempre Editora Ltda, que tem como sócio o prefeito de Betim, Vittorio Medioli (Podemos-MG). Ao menos outros dez parlamenta­res usaram os serviços da editora. Somente em um dos casos os gastos superaram a doação – com o deputado federal Toninho Pinheiro (PP-MG), que recebeu R$ 1,9 mil e gastou R$ 20,8 mil de sua cota com a empresa.

Transparên­cia. O professor de Direito da FGV-SP Carlos Ari Sundfeld avalia que não há uma proibição formal para que os parlamenta­res usem serviços de seus doadores, mas ressalta que esse tipo de gasto acende um alerta. “Pode haver uma escolha indevida, um preço indevido ou até uma situação de não prestação de serviços”.

Embora as doações de empresas estejam vetadas, o risco é que o problema continue com doadores de pessoa física. O cientista político Hilton Cesário Fernandes, professor da pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), diz que esse tipo de doação enfraquece o caráter democrátic­o das eleições. “É evidente que existe um interesse entre o prestador de serviço eleger determinad­a pessoa só para ser contratado, o que não é de interesse público, mas sim um negócio.”

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