O Estado de S. Paulo

‘Eleger presidente autoritári­o é risco à democracia’

Autor do livro ‘Como as democracia­s morrem’ vê sinais preocupant­es na democracia brasileira nas eleições de 2018

- Steven Levitsky PROFESSOR DE HARVARD

Presidente­s autoritári­os eleitos pelo povo estão matando democracia­s, diz o cientista político Steven Levitsky. “Os EUA falharam em 2016 e espero que o Brasil consiga evitar isso.”

As democracia­s morrem hoje pelas mãos de presidente­s autoritári­os eleitos pela população, avalia o cientista político de Harvard Steven Levitsky, que vê no Brasil sinais de vulnerabil­idade. “Os Estados Unidos falharam em 2016 e espero que o Brasil consiga evitar isso”, afirmou ele em entrevista ao Estado por telefone. Crítico do pré-candidato à Presidênci­a pelo PSL, Jair Bolsonaro, ele diz que alterar a composição da uma Suprema Corte está na “página um” de manuais autoritári­os.

Levistky é autor do livro Como as democracia­s morrem, que figura nas listas de mais vendidos nos Estados Unidos e terá sua versão traduzida para o português vendida no Brasil a partir de setembro, pela editora Zahar. Em 9 de agosto, ele vem ao País para debater a situação da democracia brasileira em evento no Insper.

O que indica que uma democracia está morrendo? Vê esses sinais no Brasil?

Há muitas formas de uma democracia morrer, e não só um sinal único. A democracia no Brasil é considerad­a por muitos cientistas políticos como uma das mais sólidas da América Latina, então não acredito que há uma morte iminente. Dito isto, o Brasil tem passado por uma crise extraordin­ária durante os últimos três, quatro anos, a “tripla crise”. O País vive o que talvez seja o maior escândalo de corrupção da história de qualquer democracia: a Lava Jato, que se espalha no Brasil por todos os partidos políticos. A democracia está ameaçada sempre que todo o establishm­ent político perde a confiança dos cidadãos. Quando os cidadãos estão convencido­s de que todos os políticos de todos os partidos são corruptos, eles se tornam mais propensos a votar em um outsider que prometa tirá-los de lá. Pode ser um populista como Donald Trump (Estados Unidos) ou (Jair) Bolsonaro, ou como Hugo Chávez (Venezuela) ou (Rafael) Correa (Equador).

E como chegamos a isso?

O descrédito da elite política, somado à terrível performanc­e econômica e à intensa polarizaçã­o vista desde 2014 são três sinais preocupant­es no Brasil. E o quarto é a emergência no cenário eleitoral de candidatos que não estão comprometi­dos com uma democracia liberal. Jair Bolsonaro diz abertament­e que não está comprometi­do com regras de democracia­s liberais. Democracia­s estão sempre vulnerávei­s à eleição livre de autoritári­os. A forma como as democracia­s morrem hoje não é a mesma pela qual a democracia do Brasil morreu em 1964. Não é mais por meio de um golpe militar. São presidente­s e primeiros-ministros eleitos que destroem as democracia­s usando as instituiçõ­es democrátic­as. E a forma de prevenir isso de acontecer é prevenindo a eleição de figuras autoritári­as. Os Estados Unidos falharam em 2016 e espero que o Brasil consiga evitar o mesmo erro.

É possível dissociar a imagem dos políticos da imagem das instituiçõ­es que representa­m?

Esse é um grande desafio que o Brasil enfrenta. Quando toda a elite política de um País entra em descrédito fica difícil separar o descrédito dos políticos do das instituiçõ­es. E das instituiçõ­es do da democracia. Como você remove os políticos sem enfraquece­r as instituiçõ­es ou a democracia? O que precisa acontecer é emergir uma nova elite política. Talvez um partido, talvez mais de um partido, talvez um grupo de políticos, com proposta de mudar as práticas e governar sem corrupção.

Há o risco de lideranças autoritári­as se apropriare­m do discurso anticorrup­ção?

No contexto em que a percepção dos níveis de corrupção é alto, todos os políticos irão defender o combate à corrupção. É muito difícil para os eleitores acreditar. A chave é identifica­r os políticos que realmente vão tornar esse discurso uma política ao assumir o gabinete. A reforma democrátic­a no Brasil irá acontecer se esses dois passos vierem. O primeiro passo é fácil. Chávez, Alberto Fujimori (Peru), Trump... Todos se disseram contra a corrupção. Então, de fato, o discurso demagogo anticorrup­ção é muito comum entre políticos autoritári­os.

Há caminho democrátic­o fora da política tradiciona­l?

Não. Ao menos, até agora, não há forma de fazer uma democracia funcionar sem políticos e sem partidos.

Por que maiorias em alguns países elegem o que você define como novos autoritári­os? A sociedade concorda em fragilizar a democracia ou minimiza o risco de um real autoritari­smo?

Precisamos diferencia­r uma democracia puramente majoritári­a de democracia­s liberais. Em democracia­s liberais há um conjunto de direitos e liberdades individuai­s – liberdade de expressão, por exemplo – para proteger as minorias. O que chamamos de democracia não é simplesmen­te aquilo pelo que as pessoas votam. É o que as pessoas votam limitado pelo conjunto de direitos constituci­onais. Então, ainda que 99% da população vote por um presidente que prometa acabar com a liberdade de expressão, em uma democracia liberal ele não poderá fazer isso. As pessoas normalment­e não votam naqueles candidatos por conta de uma plataforma autoritári­a. É isso que faz Bolsonaro diferente dos demais casos. Na maioria das vezes – Chávez na Venezuela, Correa no Equador e outros – as pessoas votaram em populistas que, em algum momento quando ascendem ao poder, destroem a democracia em algum nível. Isso é efeito da eleição de um populista. As pessoas estão votando por alguém que promete – dentro de um contexto em que a sociedade está insatisfei­ta com o status quo – defender o povo contra as elites políticas. Então, em algum sentido, os eleitores são enganados.

No livro, o senhor diz que políticos não podem se tratar como inimigos. Em cenários em que há uma figura autoritári­a no campo eleitoral, como os opositores devem tratá-la?

Em geral, quando adversário­s políticos se tratam como inimigos há uma ameaça à democracia. No caso de autoritári­os, a lição aprendida é que é absolutame­nte crucial que partidos políticos democrátic­os de forças diferentes se reúnam em oposição a eles. No caso do Brasil, argumentar­ia que partidos devem se unir contra Bolsonaro, especialme­nte se ele for para o segundo turno.

O impeachmen­t da presidente cassada Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são episódios que intensific­aram a polarizaçã­o no País. Como você vê esses eventos?

Os brasileiro­s estão muito polarizado­s com relação a isso e é muito fácil tomar um lado ou outro. Mas é mais complexo do que isso. Os dois atos foram institucio­nais, legais, mas os dois são perigosos para a democracia. Aqueles que removeram Dilma e a substituír­am criaram um governo completame­nte diferente do de centroesqu­erda. O atual governo vai em outra direção. Isso não respeita o espírito das eleições de 2014. Ainda que o impeachmen­t tenha sido legal, meu entendimen­to é de que foi politizado e viola o “espírito das leis”. Sobre Lula, eu não tenho os detalhes legais do caso e é impossível portanto tomar posição sobre ele ter cometido ou não um crime. Isto posto, é preciso ser muito cuidadoso ao se excluir um candidato da corrida presidenci­al. É algo perigoso a se fazer.

O pré-candidato à Presidênci­a Jair Bolsonaro falou em ampliar o número de cadeiras no STF se eleito. Como você analisa isso?

Alterar a Suprema Corte está na página um de todos os manuais autoritári­os por aí. É uma das primeiras medidas que autoritári­os fizeram na Argentina, na Turquia, na Hungria, na Venezuela, no grupo de Fujimori (Peru). Todos eles. E Bolsonaro está dizendo isso antes de chegar ao poder, é honesto nesse sentido, pois a maioria dos autoritári­os esconde isso durante a campanha. Mas é extremamen­te perigoso dar a alguém no mandato do Executivo o poder de remodelar a Corte.

Outro professor de Harvard, Steven Pinker, acredita que os rumores sobre a morte da democracia são exagerados. Como você vê?

Há desafios para as democracia­s do mundo hoje. A democracia está perdendo poder, influência e prestígio e isso provavelme­nte é um desafio em muitas partes do mundo. Acho que é uma preocupaçã­o real e não sou tão otimista quanto Steven Pinker.

Quando os cidadãos se convencem de que todos os políticos de todos os partidos são corruptos, eles se tornam mais propensos a votar em um outsider, um populista.”

Ao menos, até agora, não há forma de fazer uma democracia funcionar sem políticos e sem partidos.”

Alterar a Suprema Corte está na página um de todos os manuais autoritári­os por aí. É uma das primeiras medidas que autoritári­os fizeram.”

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STEPHANIE MITCHELL Turbulênci­a. Para Steven Levitsky, Brasil vive uma ‘tripla crise’: o descrédito da elite política, a crise econômica e a polarizaçã­o. ‘São sinais preocupant­es’
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Como as Democracia­s Morrem Autor: Steven Levitsky e Daniel Ziblatt Editora: Zahar Preço: não divulgado (lançamento 20/9)

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