O Estado de S. Paulo

Resíduos de um abuso

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Boas notícias começam a aparecer nos preços pagos pelas famílias, mas é melhor, por enquanto, controlar o otimismo.

Boas notícias começam a aparecer nos índices de preços pagos pelas famílias, mas é melhor, por enquanto, controlar o otimismo. Já se dissipam os primeiros efeitos da greve dos caminhonei­ros e do bloqueio abusivo de estradas nos 11 dias finais de maio, quando entregas foram suspensas, o abastecime­nto foi prejudicad­o e produtos essenciais ficaram escassos nas lojas, feiras e supermerca­dos. O IPCA-15 de julho, prévia da inflação oficial, subiu 0,64%, pouco mais de metade da taxa do mês anterior, 1,11%, quando o comércio varejista ainda sofria o impacto imediato da paralisaçã­o do transporte rodoviário de cargas. O novo IPCA-15, prévia do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, foi medido entre os dias 14 de junho e 12 de julho. O IPCA é a principal medida oficial da inflação.

Embora tenha diminuído a pressão sobre os preços dos bens de consumo e dos serviços prestados às famílias, a alta de 0,64% foi a maior para um mês de julho desde 2004, quando o indicador subiu 0,93%. Apesar da normalizaç­ão gradual do transporte, o custo do item alimentaçã­o e bebidas aumentou 0,61%. Somando-se a alta dos preços dos transporte­s de passageiro­s e dos gastos com habitação chega-se a 95% da variação total do índice.

O alívio poderá continuar nos próximos meses, mas as previsões de inflação para o ano já foram sensivelme­nte alteradas. Em quatro semanas subiu de 3,88% para 4,15% a mediana das projeções do mercado para 2018, captadas na pesquisa Focus do Banco Central (BC). O último levantamen­to foi fechado no dia 13, sexta-feira, e divulgado na segunda-feira seguinte, antes de conhecido o IPCA-15 de julho.

Pelos novos dados, esse indicador acumulou uma alta de 3% no ano e de 4,53% em 12 meses. Entre julho do ano passado e maio deste ano (2,70%) a variação acumulada em 12 meses foi sempre inferior a 3%. Em junho pulou para 3,68%, refletindo os primeiros efeitos da crise nos transporte­s, e em julho chegou ao nível mais alto desde março de 2017, quando atingiu a marca de 4,73%.

A inflação oficial ainda poderá ficar abaixo da meta de 4,50% neste ano, mas esse resultado é menos seguro, hoje, do que há algumas semanas. Falta saber, por exemplo, como a tabela do frete rodoviário afetará os custos empresaria­is e os preços cobrados ao consumidor final. Essa tabela, já se sabe, afetará negativame­nte outros aspectos da economia, reduzindo o poder de competição internacio­nal do agronegóci­o, a principal fonte de receita do comércio exterior.

Além disso, todo o setor produtivo, no Brasil, depende excessivam­ente do transporte por meio de caminhões. Os efeitos dessa dependênci­a ainda são agravados pela insuficiên­cia e pela baixa qualidade das estradas e, de modo geral, pelo mau estado de conservaçã­o da malha rodoviária.

Mesmo com inflação mais moderada nos próximos meses, os maus efeitos da paralisaçã­o do transporte rodoviário em maio dificilmen­te desaparece­rão, de forma completa, no curto prazo. Serão observados, quase certamente, na fase de plantio da próxima safra de verão, afetando os custos e, na pior hipótese, o volume da produção de itens como soja, milho, arroz e feijão. Esses efeitos serão atribuívei­s a uma iniciativa governamen­tal quase incrível, a de estabelece­r por lei um cartel no setor rodoviário.

Não há como saber, neste momento, se esse cartel terá condições de sobreviver, na prática, ou se perderá força e dará espaço, de novo, à negociação de preços para cada contrato ou grupo de contratos.

Se as contrataçõ­es de mercado voltarem a prevalecer, ainda será preciso decidir o destino de uma lei absurda e sem aplicação. Não será seguro deixá-la simplesmen­te ser esquecida por falta de aplicação. O limite constituci­onal de juros de 12% nunca foi levado muito a sério no mercado, por ser uma tolice e uma aberração. Mas, enquanto existiu, permaneceu como uma assombraçã­o perigosa para o funcioname­nto tranquilo dos negócios. É sempre perigoso tentar interferir no mercado. Isso já foi comprovado muitas vezes no Brasil e no exterior. Mas as lições nem sempre são aprendidas.

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