O Estado de S. Paulo

‘SUVENIR’ PAULISTANO PARA QUEM MORA EM SP

História da metrópole inspira artistas a criarem estampas de camisetas, carimbos e pôsteres

- Priscila Mengue

Uma das memórias mais marcantes da infância da designer Ana Lua Contatore, de 33 anos, é o gradil da janela da sua antiga casa, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. O item era daqueles “clássicos”, com um formato que lembrava um coração – cuja aparência ela costumava desenhar.

O olhar para esse tipo de ornamento voltou depois só na idade adulta, quando andava pelo mesmo bairro. De frente de uma casa “antiguinha”, pegou um pedaço de madeira e talhou a forma das grades da janela. A ideia deu origem à marca Rendas Urbanas, criada no fim de 2016 para carimbos inspirados em gradis paulistano­s, reunindo desde imóveis anônimos até o Viaduto Santa Ifigênia. “São coisas que às vezes passam despercebi­das”, pontua ela, que prepara uma coleção inspirada em azulejos.

O caso de Ana Lua não é único: caracterís­ticas históricas, estéticas e culturais da capital são inspiração para artesãos, designers e publicitár­ios envolvidos com a cidade. É o caso do artista Luciano Ogura, de 45 anos, que, dentre suas xilogravur­as, tem diversas peças sobre a paisagem urbana paulistana. As imagens (em quadro e postais) são vendidas em feiras e em uma banca montada periodicam­ente perto do Museu de Arte Contemporâ­nea de São Paulo (Masp). A inspiração vem do período em que fazia passeios fotográfic­os e andanças de bicicleta. “Tem desde a zona leste até a Freguesia do Ó, e uma série sobre o Bexiga. Não tem uma região única, cada uma tem a sua especifici­dade.”

O processo de criação varia, mas, em muitos casos, a imagem é desenhada ainda na rua, de frente à fonte de inspiração. A partir do desenho na madeira, Ogura talha a peça que, depois, se torna a matriz para a impressão das xilogravur­as. Para ele, contudo, valorizar a cidade requer um ritmo fora da “vida atribulada”. “Se você tem um tempo para espairecer, acaba enxergando outras coisas.”

A inspiração também vem de outros aspectos da cidade. No caso do projeto Passuapé, por exemplo, o designer Vinicius Targa, de 37 anos, se voltou para a origem tupi-guarani dos nomes de bairros. Em pôsteres ou lambe-lambes, expõe que Mooca significa “fazer casa” e Itaquera advém de “pedra dura”, dentre outros.

“Queria meio que criar pequenos dicionário­s urbanos para não deixar essa memória morrer”, pontua. Targa já desenvolve­u cerca de 20 artes diferentes, mas diz ter mais de 25 nomes na lista para produção. “É uma forma de as pessoas questionar­em sobre as origens da cidade e delas também”, disse o designer, que também é grafiteiro e planeja estender o projeto à criação de murais na entrada dos bairros. “Seria quase como se fosse um portal”, explica.

Redes sociais. As ideias também podem vir pelo âmbito virtual. Em meio a dezenas de perfis de Instagram focados na capital, dois deles expandiram suas propostas ao lançarem produtos ligados à cidade. O mais recente é o Amor Paulista, criado em 2013, mas que lançou sua loja virtual em maio – exclusiva de camisetas, embora almofadas e bonés estejam nos planos.

Para a marca, a inspiração vem dos próprios temas que mais agradam no Instagram. “A maioria dos paulistano­s é apaixonada, curte a cidade. Eles gostam dessa coisa quase caricata, dos jargões, da selva de pedra”, explica um dos sócios, o publicitár­io Lucas Motta, de 21 anos.

Morador de Sorocaba, ele havia criado o perfil para ficar mais próximo da capital, para qual pretende se mudar futurament­e. Na loja, dentre as peças mais vendidas, está a que tem as imagens de um coração e de um mapa do Estado de São Paulo em formato de pedra. Outro exemplo é a que traz a palavra “respeito”, com o “SP” nas cores da bandeira LGBT. “A cidade tem uma das maiores paradas LGBT do mundo, faz parte da identidade”, pontua.

Outro exemplo é o projeto São Paulo City, criado há cinco anos e que lançou loja virtual há três. “Identifiqu­ei que tinha pessoas que queriam comprar produtos, mostrar esse orgulho pela cidade, mas que isso não existia. Só tinha suvenir ‘basicão’”, explica o publicitár­io Miguel Garcia, de 36 anos.

Além de se inspirar nos lugares mais curtidos por seus seguidores, ele também aposta em estampas com caracterís­ticas da população paulistana, como o tradiciona­l café da manhã na “padoca” com pingado e pão na chapa, a expressão “orra meu” e a eterna discussão entre qual palavra usar: “biscoito” ou “bolacha”. “Embora tenha diferenças regionais, algumas coisas são da cidade toda, do paulistano mesmo.”

 ??  ??
 ??  ?? Rendas. Muitas vezes as peças são um olhar para a infância na capital. ‘São coisas que às vezes passam despercebi­das’, afirma Ana Lua
Rendas. Muitas vezes as peças são um olhar para a infância na capital. ‘São coisas que às vezes passam despercebi­das’, afirma Ana Lua

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil