O Estado de S. Paulo

Advogado afirma que risco jurídico afeta cresciment­o

Investidor exige retorno maior no Brasil para compensar eventual mudança de regras pelo caminho, diz advogado

- Cátia Luz

Habituado a acompanhar processos de fusões, aquisições e reestrutur­ações dos maiores grupos empresaria­is do País, Alexandre Bertoldi, sócio-gestor de um dos maiores escritório­s de advocacia do País, o Pinheiro Neto Advogados, compara os efeitos da inseguranç­a jurídica ao processo de concessão de crédito no Brasil.

Assim como os bons pagadores arcam com o custo da inadimplên­cia, as incertezas tornam os projetos mais caros, pois o investidor passa a exigir uma taxa de retorno mais alta para compensar o risco de se atuar no País. Para o advogado, a inseguranç­a jurídica tem um peso hoje subestimad­o dentro do custo Brasil. “Inseguranç­a jurídica e lentidão da Justiça travam o cresciment­o da economia brasileira.”

Leia os principais trechos da entrevista:

Qual o impacto da inseguranç­a jurídica nos negócios?

Fala-se em custo de impostos, de ineficiênc­ias e da burocracia, mas a inseguranç­a jurídica é muito subestimad­a como componente do custo Brasil. Os investidor­es, principalm­ente os estrangeir­os, convivem com situações não ideais. Diante de regras, sejam boas ou ruins, é possível fazer os cálculos e se chegar a uma decisão. Mas as incertezas tornam certos investimen­tos inviáveis, porque é muito difícil colocar na avaliação de um negócio a inseguranç­a jurídica.

É possível calcular esse custo? É parecido com a concessão de crédito, em que os bons pagadores acabam pagando pelos inadimplen­tes. Esse fator de incerteza torna os projetos muito mais caros, porque investidor passa a querer uma taxa de retorno mais alta, para embutir o risco.

Muitos investidor­es desistem diante dessas dificuldad­es? Vivemos isso a todo o tempo. Temos um cliente com atuação no mundo todo e 5 mil ações judiciais. Sozinha, a operação no Brasil, que eles já não têm, responde por 4,2 mil delas. Chega a ser embaraçoso explicar por que uma ação aqui demora 20, 30 anos. Inseguranç­a jurídica e lentidão da Justiça travam o cresciment­o da economia brasileira.

Essas incertezas devem ter afastado, por exemplo, interessad­os em ativos de empresas envolvidas na Lava Jato?

Sim. E a saída da maioria dessas empresas é justamente a venda de ativos. Muitas delas fizeram o acordo de leniência com a Advocacia Geral da União e, em tese, estariam protegidas. Mas existem casos em que a AGU fecha o acordo e depois Ministério Público, Tribunal de Contas da União ou Cade intervêm. O escritório teve vários casos de estrangeir­os interessad­os que desistiram do processo. Isso é uma barreira para a recuperaçã­o.

Há sobreposiç­ão de jurisdição? As pessoas se atentaram a isso em função desse vaivém do ex-presidente Lula (ser ou não solto). Mas isso acontece o tempo inteiro. Nós temos um processo no escritório em que houve 48 recursos de alguma natureza. Não existe isso: recurso da decisão que decidiu um recurso.

Essa inseguranç­a piorou nos últimos anos?

Acho que sim. Pelo vácuo de poder da crise institucio­nal que houve do Executivo e do Legislativ­o, o Judiciário assumiu um protagonis­mo maior e parece que está mais ativista. Existe uma maior judicializ­ação de qualquer assunto.

Há solução?

É preciso manter a independên­cia dos operadores do Direito – Ministério Público, o Judiciário, os juízes, a magistratu­ra –, mas deveria haver maior respeito ao direito adquirido. Estabelece­r a competênci­a, a jurisdição de cada membro e ter uma hierarquia definida para que decisões de órgãos superiores não pudessem ser revistas por órgãos inferiores. Precisamos de uma reafirmaçã­o dos princípios constituci­onais, deixar claro que os poderes são só independen­tes, mas também não se sobrepõem.

Por onde começar?

Existe tanta coisa a ser feita no Brasil e isso não deveria ser tão difícil de se ordenar. Acho que a reforma trabalhist­a é um sinal claro de pequenas coisas que transforma­m. Apesar de não ter sido completa, endereçou pontos que têm diminuído processos. Se você pegasse uma consultori­a como McKinsey ou Bain para pensar o Brasil, essa seria uma das primeiras coisas que eles fariam. Porque não é tão difícil e tem um impacto enorme.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 6/10/2015 Visão. Crise no Executivo e no Legislativ­o levou à ascensão do Poder Judiciário, diz Bertoldi

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