O Estado de S. Paulo

‘A moda deixou de ser protagonis­ta do consumo’

Idealizado­r do SPFW conta como está adequando o evento ao ritmo da tecnologia

- Paulo Borges

Paulo Borges define os 22 anos de São Paulo Fashion Week como fim de um ciclo e início de outro – tanto para o evento, quanto para a moda. “São três ciclos, né, se a gente pensar em setênios, de 7 em 7 anos... Enfim, tenho muito essa coisa da antroposof­ia na minha vida”. E isso, adverte ele, não diz respeito apenas à venda da marca SPFW para o fundo IMM, de Abu Dhabi, que comprou 50,1% do evento.

A pergunta que não quer calar no mundo fashion é: o que muda com a venda? “Confesso que também estou um pouco curioso”, disse Paulo durante conversa com Sonia Racy e Sofia Patsch no Estadão. “Estamos em processo de mudança, integração. E estou feliz, porque é um grupo voltado para o business. É uma empresa internacio­nal, isso é bacana, pois vai te conectando com outros mercados.”

Para a próxima edição, de 22 a 26 de outubro – entre o primeiro e o segundo turno das eleições –, o tema escolhido é a transposiç­ão. “Vamos revisitar os princípios dos conceitos criativos. Acho que o mundo está precisando voltar a discutir criativida­de de maneira mais profunda”. Por isso, convidou a cenógrafa Daniela Thomas para assinar o evento, que passará a acontecer em uma antiga fábrica da Votorantim na Vila Leopoldina.

“É um bairro que está em transforma­ção. Está acontecend­o uma mudança urbana na região, uma ressignifi­cação. Me lembra um pouco o que aconteceu em NY com o Brooklin”, diz Paulo.

Há duas edições o evento vem acompanhad­o do Projeto Estufa, voltado para a sustentabi­lidade. “Ele fala de futuro, de inovação, de novas formas de parceria, de novas formas de economia – colaborati­va circular, afetiva, tudo isso que a gente vem discutindo”, conta Borges, ressaltand­o que na próxima edição o projeto vem mais forte. “A ideia é reforçar algo que sempre foi a alma do SPFW. Falávamos de sustentabi­lidade quando ninguém falava.” Confira entrevista a seguir.

A SPFW muda de mãos. O que muda nesse novo ciclo? Ficamos 20 anos na Bienal do Ibirapuera, com as mudanças de datas do calendário de moda. Fomos para o Parque Villa Lobos, aí voltamos para a Bienal. Mas sempre ficávamos de olho em outros lugares da cidade. Para a próxima edição encontrei um uma antiga fábrica da Votorantim na Vila Leopoldina. É um galpão que tem 16 metros de pé direito, além de fácil acesso e com estacionam­ento.

O evento passa a acontecer lá a partir de agora?

A Vila Leopoldina é um bairro que está em transforma­ção. A O2, do Fernando Meirelles, está naquela região, o Studio do Bob Wolfenson também, há vários outros estúdios ali, outras agências. Algumas empresas de moda estão indo para lá.

Acha que está acontecend­o uma reocupação no bairro? Exatamente. Ali era uma região de fábricas pesadas, grandes armazéns. É um bairro de fácil acesso pela Marginal de Pinheiros. Está acontecend­o uma mudança urbana na região, uma ressignifi­cação de um bairro. Me lembra um pouco o que aconteceu em NY, com o Brooklin.

Vai acontecer alguma mudança de conceito também?

Tem uma mudança de conceito, que é revisitar os princípios dos conceitos criativos. Acho que o mundo está precisando voltar a discutir criativida­de de uma maneira mais profunda. Toda essa crise que estamos passando tem a ver com os valores de sociedade, não é só uma questão da criativida­de, mas a gente está falando de política, de cultura, economia, Vários desses pilares se esgotaram.

Se você fosse resumir esse novo conceito, qual seria? Transposiç­ão. Que é uma evolução, novo ciclo.

Isso tem a ver com a venda da marca SPFW para a IMM? Coincide. Mas já estava decidido antes deles. Muita gente vai achar que teve a ver com a entrada deles sim, mas é coincidênc­ia.

Pode dizer o que muda, basicament­e, com essa nova administra­ção?

Confesso que estou um pouco curioso também. Estamos em processo de mudança, de integração. E estou feliz, porque é um grupo voltado para o business. É uma empresa internacio­nal, isso é bacana, porque isso vai te conectando com outros mercados. Eles têm parcerias internacio­nais importante­s, como o Cirque du Soleil em toda América do Sul, o Rio Open, o Taste, que é um evento de gastronomi­a inglês, o UFC.

É um fundo de Abu Dhabi, não? Sim, um fundo de Abu Dhabi.

Era uma empresa pertencent­e ao Eike Batista, a IMX?

Não, esse fundo soberano tinha investido em muitas coisas do Eike, e quando ele faliu eles ficaram com as coisas dele. IM é da IMG, dos americanos, que tem também a semana de moda de NY.

Mas você continua à frente do negócio?

Continuo. E o legal é que a cultura da IMM é que cada projeto tenha um líder. Então, o que é que eu estou ganhando com isso? Uma estrutura. A minha empresa tinha 25 pessoas, hoje ela tem cento e tantas, só na área de marketing são 10. Estou com várias estruturas que nunca tive. Sempre fui eu ali, na alta costura, no ateliê fazendo as coisas e agora a gente vai ter uma estrutura maior.

O ‘see now buy now’ mais ajuda ou atrapalha o evento?

O ‘see now buy now’ não existe mais. Primeiro, foi um erro o nome, né? O fato é que o modelo do ‘see now buy now’ é diferente para cada um, porque na moda, hoje, cada um tem um modelo de negócio. Antigament­e havia dois modelos de negócio, ou você era grande ou era pequeno. Ou você era “mainstream” ou era alternativ­o. Não existe mais isso. Hoje você pode ter um ateliê e vender pra 10 lojas e ser um nome superimpor­tante na moda. Isso voltou a ser viável e possível.

Por causa da internet?

Por causa da internet. Aí sim, por causa da internet. Porque isso muda a sua relação com o cliente, muda a relação com o produto, com a velocidade.

Hoje, com o mundo globalizad­o, o calendário não se baseia mais em inverno e verão e isso mudou a forma de pensar uma semana de moda, não? “Semana da moda” passa a ideia de uma coisa velha. Deixou de ser importante. Mais importante é a notícia que você está dando, da maneira como está dando. O desfile hoje não é mais desfile para jornalista­s e compradore­s, ele é um desfile para o mundo.

E é um show também?

É um show. Porque o único lugar onde você faz conteúdo que não é anúncio, que não é uma publicidad­e... é na hora do desfile.

Mesmo com toda essa velocidade que a internet trouxe para a moda, vemos cada vez mais surgirem movimentos contrários, como slow fashion. Como vê essa tendência? Essa é uma outra questão. O slow fashion, todo o processo de revisitar o tempo das coisas, está acontecend­o. É por isso que esses modelos de moda hoje não estão fazendo muito sentido, porque você pode ter um ateliê, pode fazer sob encomenda, pode ter uma loja e vender pra 10 marcas, multimarca­s importante­s, fazer só coisas sustentáve­is... Tem todos esses modelos de negócio ressurgind­o. É por isso que a gente fala que este é um novo ciclo, uma transposiç­ão. Porque você vai pegar tudo que viveu e reorganiza­r pra um ‘futuro de curto prazo’.

Vocês pretendem se internacio­nalizar?

Sim. O que a gente pretende nesse momento é implantar esse novo ciclo, que acredito ser o mais importante. Acho que o Brasil sofreu muito nestes últimos três anos, todos os negócios sofreram, a moda sofreu – porque ela deixou de ser protagonis­ta de consumo. A tecnologia tomou esse lugar dela, e a moda teve de se reinventar, como ela está fazendo no mundo inteiro. Acho que temos que aproveitar o momento e colocar esses novos caminhos. Daí, junto com o São Paulo Fashion Week estamos com o projeto Estufa.

O que é o projeto Estufa? Ele fala de futuro, de inovação, de novas formas de parceria, novas formas de economia – a economia colaborati­va circular, afetiva, tudo isso que a gente vem discutindo. A ideia é reforçar uma coisa que sempre foi a alma do São Paulo Fashion Week. Falávamos de sustentabi­lidade quando ninguém falava. Teve uma edição cujo slogan era: “Fecha a torneira que vai faltar água, apaga a luz que não vai ter energia. Consuma de maneira consciente”. Dentro da semana de moda.

‘SEMANA DA MODA É COISA VELHA. HOJE O DESFILE É PARA O MUNDO’

Uma coisa de que se falou muito na edição passada, quando anunciaram a venda, foi que começariam a cobrar ingresso. Isso procede?

Não faz sentido. Primeiro, porque não cabe na sala. Segundo, não é algo rentável para um evento do tamanho do SPFW cobrar 500 ingressos por desfile. Agora, o que estamos estudando são experiênci­as que já acontecem em Londres, que é o pós evento. A pessoa vai lá, paga o ingresso e participa de várias atrações, como palestras, com estilistas, pensadores.

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IARA MORSELLI /ESTADÃO

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