O Estado de S. Paulo

Festival Mimo destaca jovem guitarrist­a e dona Onete

A portuguesa Marta Pereira da Costa e a cantora do Pará, diva do ‘carimbó chamegado’ , conquistar­am o público

- Julio Maria AMARANTE, PORTUGAL

Os artistas portuguese­s expostos no Museu Amadeo de Souza-Cardoso, às margens do Rio Tâmega, pareciam ter dialogado com os músicos que subiam ao palco do Parque Ribeirinho ou no pátio interno da casa com a mesma intenção modernista, ainda que ninguém estivesse ali sob rótulo algum. Na tela, Julio de Almada Negreiros (1893-1970) fazia saltar um menino carregador de vinhos de rosto quente e alaranjado, de uma luz arrebatado­ra mas de corpo disforme pelo cubismo de Picasso. No palco, a cantora da Mauritânia Noura Mint Seymali e seus três músicos desfigurav­am as matrizes do blues norte-americano para apresentá-lo em sua origem, oeste-africano, esculpido pelas escalas árabes de Noura e pela guitarra crua de Jeich Ould Chighaly. Na tela, Paula Rego mostrava os conflitos de uma Rainha Santa Isabel em traços coloridos e muita angústia, traindo a placidez e a benevolênc­ia dos santos. No palco, o português Rui Veloso fazia sua tradução do lamento fadista sob o conforto de solos de guitarras monumentai­s, traindo a fúria do rock que lhe deu forma. Só atingiria a festa, como ensinaram os modernista­s, quem primeiro passasse pela dor.

Foram três dias de um festival que trai as perspectiv­as comerciais desde que aportou nesta pequena cidade ao norte de Portugal, há dois anos. Ao contrário do pessimismo inicial de parte da crítica, Amarante está lotada de turistas que chegam com o folder do festival nas mãos. A exposição dos modernista­s portuguese­s ocupa um andar inteiro do museu onde alguns shows do Mimo Festival são realizados, um trabalho de parceria local que poderia ser reproduzid­o no Brasil.

As apresentaç­ões do pianista Matthew Whitaker, o menino norte-americano cego de 17 anos ungido por Stevie Wonder; do grupo moçambican­o mesmo de certo didatismo Timbila Muzimba; da jovem guitarrist­a de fado Marta Pereira da Costa; do pianista israelense Shai Maestro; e da formação instrument­al jazzística jovem e fresca do Gogo Penguim, do Reino Unido, mostram um radar ajustado para o futuro e evita que o festival se feche em uma bolha étnica, nostálgica ou ideológica.

Os brasileiro­s enfrentam um terreno curioso. Interessan­te ver o Baiana System sem a mesma recepção bombástica, testando a força de seu show sem subir ao palco com o jogo ganho. Os portuguese­s olham bem o mar antes de mergulhar. Dona Onete, ladeada pelo guitarrist­a Pio Lobato, tem uma força de palco que pode levá-la ao mundo todo. A rainha do carimbó traz um Brasil desconheci­do por aqui, com uma música de acento binário que faz o europeu se perguntar onde está o samba.

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DARYAN DORNELLES Talento. A guitarrist­a portuguesa Marta Pereira da Costa

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