O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

A genial proposta de Fernando Haddad de tributar o spread bancário levaria à redução dos volumes de crédito.

OPartido dos Trabalhado­res apresentou, na última semana, os eixos do seu programa de governo. A par da esdrúxula ideia de batizar um programa retrógrado de choque de liberalism­o e das óbvias intervençõ­es e regulações autoritári­as, foi com a proposta de uma criativa tributação progressiv­a do spread bancário que o programa violentou, ao mesmo tempo, o entendimen­to do problema e os conceitos básicos de economia.

A proposta apresentad­a pelo coordenado­r do programa, o exprefeito Fernando Haddad, de penalizar via tributação os spreads altos e incentivar via tributação mais branda os spreads baixos, é totalmente equivocada.

Spread é tema complexo. Afirmo isso com base em experiênci­a. Fiz meu doutorado em Economia com foco no assunto, pesquisei e trabalhei com o tema no Banco Central (BC) e atuei por mais de uma década – e em distintas posições – nas discussões e agendas de redução do spread bancário no Brasil. Mas não é necessário tanto para entender que a proposta petista erra duas vezes. Bastam bom senso e alguma pesquisa sobre o tema.

O spread é formado por componente­s de custos e de rentabilid­ade. Desde o custo de captação até fatores como reservas compulsóri­as, despesas administra­tivas, custos regulatóri­os, estrutura de mercado e tributação, todos são fatores gerais que afetam o spread na sua base e, a par de um ou outro aspecto menos relevante, têm impacto de forma mais ou menos uniforme em todos os tipos de crédito. Tributação, além de ser um fator geral, se destaca pela sua relevância no Brasil, respondend­o por 14% do spread, conforme cálculo do Bacen divulgado no último Relatório de Estabilida­de Financeira.

Mas, ao contrário dos fatores gerais, é no fator risco de crédito – esse sim particular, que se assenta a explicação para que se observe spreads maiores ou menores. São questões vinculadas à avaliação de risco; à probabilid­ade de inadimplên­cia; à qualidade da garantia e à capacidade de recuperaçã­o do crédito que definem se o spread de uma operação será maior ou menor do que da outra. Essas são as bases do fundamenta­l e necessário papel de seleção que os bancos devem exercer para que o mercado de crédito fomente o desenvolvi­mento e o bem-estar. É isso que permite que pequenos negócios e indivíduos com pior avaliação de risco tenham acesso a crédito.

A proposta, ao ignorar a natureza da questão, comete então o segundo erro ao apresentar uma solução cujo resultado piora o problema ao invés de solucioná-lo. Com a tributação “democrátic­a”, um eventual presidente petista conseguiri­a a proeza, levando-se em conta o já conhecido voluntaris­mo de descolar os preços dos seus fatores de custo (risco, em se tratando de crédito), de reduzir a oferta de crédito. Ou seja, a solução genial apresentad­a pelo ex-ministro da educação, mestre em economia, levaria à redução dos volumes de crédito.

A discussão sobre a redução do custo do crédito no Brasil tem de partir, portanto, dos conceitos certos e não da retórica populista. Há que se melhorar o ambiente de negócios para reduzir custos e atrair novos participan­tes, incentivar a inovação, ampliar o acesso à informação fomentando a competição - e haveria também que se reduzir a cunha tributária sobre a intermedia­ção financeira, não fosse nossa penúria fiscal.

Colocar uma proposta de taxar o crédito e vendê-la com o verniz de tributar (ou incentivar) bancos é equivocado. O resultado desse discurso envernizad­o será, necessaria­mente, a redução da oferta de crédito, penalizand­o principalm­ente as pequenas empresas e a população de baixa renda, onde a assimetria de informação – e também o risco, são maiores.

É fundamenta­l entender o que está por trás das propostas que surgem e ressoam com a proximidad­e das eleições. Mas há uma linha que não se pode cruzar, que é a da desonestid­ade intelectua­l que permite defender soluções erradas, cuja retórica possa eventualme­nte cativar. Vivemos isso nas eleições de 2014. A não ser que estejamos diante de um caso de desconheci­mento das leis básicas de economia, o PT parece dobrar a aposta nessa estratégia. Deixo para o leitor a generosida­de de concederlh­es o benefício da dúvida.

Discussão sobre redução do custo do crédito não pode partir de retórica populista

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil