O Estado de S. Paulo

Um retrato dos partidos

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O PT diz ter 2,19 milhões de filiados, mas conseguiu arrecadar apenas R$ 440,8 mil de 4,6 mil doadores na chamada “vaquinha online”, mostra o Estado.

O Partido dos Trabalhado­res (PT) diz ter 2,19 milhões de filiados, mas conseguiu arrecadar até agora apenas R$ 440,8 mil de cerca de 4,6 mil doadores por meio do sistema virtual de doações para a campanha eleitoral à Presidênci­a – a chamada “vaquinha online” –, mostra levantamen­to recente do Estado. Esses números expõem a dificuldad­e que mesmo partidos muito bem estruturad­os e com uma militância numerosa e aguerrida, como o PT, estão enfrentand­o para convencer seus eleitores a financiar sua campanha – reflexo não só da falta de uma cultura de envolvimen­to dos cidadãos com os partidos que dizem representá-los, mas também da incapacida­de da maioria das legendas de sustentar uma atuação política sólida e ideologica­mente coerente.

As doações eleitorais de pessoas físicas tornaram-se mais importante­s desde que o Supremo Tribunal Federal, em 2015, proibiu as doações feitas por pessoas jurídicas, sob o argumento, correto, de que as empresas doadoras desequilib­ravam o jogo democrátic­o a seu favor como consequênc­ia de seu poder econômico sobre os candidatos que financiava­m. As eleições municipais de 2016 já foram realizadas com essa restrição – e, embora tenha havido grande reclamação por parte de partidos e candidatos, todos puderam fazer suas campanhas normalment­e, e a eleição transcorre­u sem sobressalt­os.

A eleição deste ano, contudo, tem abrangênci­a nacional e, naturalmen­te, demanda gastos bem mais vultosos – o teto estabeleci­do para cada candidato a presidente é de R$ 70 milhões para o primeiro turno e mais R$ 35 milhões em segundo turno. Esse aspecto torna ainda maior o desafio de convencer o eleitor a colocar a mão no bolso para ajudar os candidatos. Mas, em vez de se dedicarem a sofisticar a comunicaçã­o com os cidadãos, buscando seduzilos para se juntar a seus esforços eleitorais, os partidos preferiram gastar energia para arrancar do erário o precioso financiame­nto. Nada como ter a possibilid­ade de legislar em causa própria, especialme­nte quando se trata de obter dinheiro dos contribuin­tes.

Confortáve­is com o bilionário fundo eleitoral criado por eles mesmos, os partidos sabem que não dependem das doações de pessoas físicas para enfrentar a campanha – e isso os dispensa de qualquer forma de compromiss­o que não seja com os projetos de poder de seus caciques.

Tome-se, mais uma vez, o exemplo do PT. O partido, que se gaba de ser o mais coerente dentre as maiores agremiaçõe­s políticas do País, não hesita em unir forças com alguns daqueles que sua militância chama, dia e noite, de “golpistas” – caso dos senadores Eunício Oliveira (MDB-CE), Renan Calheiros (MDBAL) e Ciro Nogueira (PP-PI), que apoiaram o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff. O que une esse time é a popularida­de de Lula da Silva no Nordeste, da qual todos querem se aproveitar. Em troca, o chefão petista pretende consolidar seu feudo político e demonstrar força no momento em que desafia a Justiça a impedi-lo de se candidatar à Presidênci­a. Ou seja, o PT está sendo escancarad­amente usado por seu líder – melhor seria dizer dono – em proveito próprio. Não surpreende, portanto, que os eleitores eventualme­nte simpáticos ao PT hesitem em pagar para bancar uma candidatur­a tão eivada de contradiçõ­es.

Apesar da quantia pífia que arrecadou, o PT ainda foi o partido que mais obteve recursos de pessoas físicas pela “vaquinha online”. Marina Silva (Rede), que aposta nesse tipo de mobilizaçã­o para compensar a fragilidad­e de seu partido, obteve apenas R$ 158,5 mil de cerca de 1,2 mil doadores. Não será fácil para a candidata ampliar sua base de doadores, especialme­nte diante da dificuldad­e de explicar por que seu partido, tão orgulhoso de sua pureza ideológica e programáti­ca, está se coligando nos Estados com agremiaçõe­s que Marina acusa de ter afundado o Brasil.

O sucesso das doações eleitorais de pessoas físicas depende da cristaliza­ção de uma cultura de identifica­ção dos eleitores com os partidos – e isso só vai acontecer quando essas agremiaçõe­s deixarem de ser meros despachant­es dos interesses de seus donos e se transforma­rem em veículos de ideias para o País.

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