O Estado de S. Paulo

DEFENSOR DA ÉTICA NA POLÍTICA

Bicudo era procurador quando enfrentou o Esquadrão da Morte; rompeu com PT após mensalão e assinou impeachmen­t de Dilma

- / IGOR GIANNASI, LUIZ RAATZ e MARCELO GODOY

Promotor que combateu o Esquadrão da Morte, Hélio Bicudo foi um dos autores do pedido de impeachmen­t de Dilma Rousseff.

Morreu ontem em São Paulo, aos 96 anos, o jurista e político Hélio Bicudo, procurador de Justiça que combateu o Esquadrão da Morte nos anos 1970. Figura histórica do PT, se distanciou do partido após o mensalão e foi autor do pedido de impeachmen­t da presidente cassada Dilma Rousseff. Bicudo não resistiu a meses de complicaçõ­es cardíacas.

Natural de Mogi das Cruzes – nasceu em 5 de julho de 1922 –, formou-se em direito pela Faculdade do Largo São Francisco, da USP, em 1942. Cinco anos depois, ingressou no Ministério Público do Estado. Como chefe da Casa Civil, o advogado Bicudo integrou a administra­ção do governador Carvalho Pinto (1959-1963) e chegou a substituí-lo no Ministério da Fazenda, ocupando interiname­nte a pasta durante o governo do presidente João Goulart (1961-1964).

Depois, se tornou um dos mais importante­s ativistas pelos direitos humanos no País, especialme­nte no regime militar. Na época, como procurador de Justiça de São Paulo, combateu o Esquadrão da Morte, grupo de extermínio envolvido na tortura e assassinat­o de criminosos comuns. Ao todo, o esquadrão teria sido responsáve­l por 168 assassinat­os no Estado.

Bicudo foi designado para apurar os crimes. Entre 1970 e 1971 denunciou 35 policiais envolvidos no grupo, entre eles o delegado Sérgio Paranhos Fleury –, seis foram condenados. Fleury não era qualquer policial. Era o símbolo da repressão política do regime inaugurado em 1964.

A atuação de Bicudo foi acompanhad­a pelo Estado e pelo Jornal da Tarde. No prefácio de seu livro Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte, o jornalista Ruy Mesquita escreveu: “Embora seja improvável que o principal elemento da quadrilha (Fleury), erigido em herói da luta contra a subversão, venha um dia a ser condenado por algum dos incontávei­s crimes que praticou, não há dúvida de que os resultados da ação de Hélio Bicudo revelam que ainda há condições para se deter o processo de gangrena institucio­nal a que o Brasil está submetido, para que se restabeleç­a aqui o estado de Direito.” De fato, Fleury morreu em 1979, antes de acertar as contas com a Justiça.

Em agosto de 1975, Bicudo publicou no suplemento do centenário do Estado o ensaio O Direito e a Justiça no Brasil, depois transforma­do em livro. Dedicou a obra à memória do dr. Julio de Mesquita Filho, que “soube imprimir a esse grande jornal a orientação democrátic­a, a qual, mantida a todo custo por Julio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita, constitui a grande caracterís­tica desse órgão da imprensa brasileira”.

PT. Na história recente do Brasil, Bicudo também teve participaç­ão ativa no impeachmen­t da presidente cassada Dilma Rousseff, sendo um dos signatário­s do pedido de abertura do processo contra a petista – juntamente com a advogada Janaina Paschoal e o jurista Miguel Reale Júnior. Ex-petista – ingressou no PT poucos meses depois da criação da sigla, em 1980 –, Bicudo se tornara um crítico do partido a partir de 2005, após a revelação do escândalo do mensalão.

Desligou-se então da legenda, pela qual se elegeu deputado federal e exerceu mandato entre 1991 e 1999, com a justificat­iva de que “o partido se afastou dos ideais éticos e morais”. Ontem, a direção nacional da legenda não se manifestou sobre sua morte. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, informou apenas que enviou condolênci­as à família.

Pelo PT, também foi candidato a vice-governador, em 1982, na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato. Em 1986, o jurista foi candidato ao Senado, ficando em terceiro lugar. Fez parte da gestão da então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, eleita pelo PT em 1988, como secretário de Negócios Jurídicos.

Foi vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e autor do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), lançado em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso. Também foi autor do projeto que retirou da Justiça Militar os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares em serviço contra civis.

Em 1998, o advogado não se candidatou à reeleição. Eleito vice-prefeito de São Paulo em 2000, foi presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos Humanos na gestão da hoje senadora Marta Suplicy (MDB). Antes da eleição municipal, em fevereiro de 2000, foi escolhido presidente, com mandato de um ano, da Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos, órgão da Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington.

Em 2003, Bicudo foi um dos criadores da Fundação Interameri­cana de Defesa dos Direitos Humanos. A entidade encerrou suas atividades em 2013, por problemas financeiro­s. Bicudo se casou com Déa Pereira Wilken Bicudo, que morreu no dia 16 de março, aos 96 anos, e com quem teve sete filhos.

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JOSE PATRICIO/ESTADÃO-4/4/2016 Posição. O jurista Hélio Bicudo participa de protesto pelo impeachmen­t em abril de 2016

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