O Estado de S. Paulo

Educação financeira ainda engatinha nas escolas do País

Previsto em lei para o ensino fundamenta­l, conteúdo é pouco disseminad­o; capacitaçã­o de professore­s é um dos desafios

- Felipe Siqueira Isadora Duarte ESPECIAIS PARA O ESTADO

No ensino fundamenta­l, a educação financeira já é lei desde dezembro. Em breve, o tema deve entrar no currículo do ensino médio, já que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe que o tema seja incluído de modo interdisci­plinar. Mas a realidade é que essas aulas ainda não chegaram à maioria das escolas do País e muitos dos professore­s não tiveram treinament­o sobre o assunto. Quem sai prejudicad­o é o aluno, que perde a chance de aprender a controlar os gastos ainda na infância, o que é essencial para uma vida financeira saudável no futuro, segundo especialis­tas.

A situação é mais grave nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste, onde estão, respectiva­mente, só 7% e 8% das escolas do País que trabalham o conteúdo, segundo a Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF Brasil). Superinten­dente da entidade, Cláudia Forte ressalta que o ensino é ainda mais importante em regiões carentes. “Nesses locais que percebemos a semente frutificar.”

O Norte figura no topo do levantamen­to feito em abril. As atividades de seus colégios representa­m 33% do total nacional. Só que o índice é puxado pela experiênci­a do Tocantins, considerad­o modelo no ensino de educação financeira. O Sul aparece com 32% e o Sudeste, com 20%. O mapeamento da AEF é de participaç­ão voluntária, enviado à rede de 25 mil contatos da associação e contabiliz­a iniciativa­s ligadas ou não à educação formal. O Ministério da Educação diz não ter balanço sobre o tema – cada Estado tem autonomia nos currículos.

De 15 países pesquisado­s no teste de cultura financeira feito pelo Programa Internacio­nal de Avaliação de Alunos (Pisa), o Brasil teve o pior desempenho. O estudo foi divulgado em maio de 2017 pela Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE). Dos alunos brasileiro­s, 53% ficaram abaixo do nível mínimo de conhecimen­tos financeiro­s, atrás do Chile (38%) e do Peru (48%). Só 3% dos brasileiro­s atingiram a pontuação mais alta.

Não é que nada tenha sido feito. Mas o processo é lento e está longe de atingir a maioria dos Estados. Desde 2010, o País vem desenvolve­ndo a Estratégia Nacional da Educação Financeira (Enef), que levou material pedagógico e treinament­o a professore­s de 3,8 mil escolas públicas. Em cada colégio, três educadores foram capacitado­s. Hoje, Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul estão em fase de desenvolvi­mento dos polos de educação financeira, para capacitar docentes da rede pública.

Entre os desafios está a falta dessa cultura na comunidade escolar. Os educadores sentem dificuldad­es em ensinar o tema. “O professor ganha mal, gasta mal e, como cidadão, não é valorizado”, diz Cláudia, da AEF. Capacitar professore­s é o primeiro passo, mas o Tocantins, que oferece atividades nas 425 escolas estaduais, é uma exceção.

Para a coordenado­ra da inclusão do tema no currículo do Tocantins, Alessandra Camargo, o ideal é identifica­r o assunto em projetos já existentes na escola, para assim superar a resistênci­a de professore­s que veem como um trabalho extra. “O programa dissemina o tema em sala de aula para formar contínua e progressiv­amente cidadãos consciente­s e atuantes em sua vida financeira desde as primeiras fases escolares.” Outras experiênci­as. A Secretaria Municipal de Educação de Bagé (RS) também pretende inserir a educação financeira no currículo das 64 escolas de educação infantil e de fundamenta­l a partir de 2019. “A criança tem peso no momento de decisão de compra. Por isso, queremos usar essa influência para auxiliar a família a consumir de maneira mais consciente”, diz a secretária, Adriana Lara.

Em Estados em que as pastas não fazem programas específico­s, há parcerias de instituiçõ­es que tratam do ensino de finanças e planejamen­to pessoal para crianças e jovens. É o caso de São Paulo.

O Estado participou do projeto-piloto da Enef em 2010, mas não continuou com o programa. Segundo a Secretaria da Educação, o conteúdo está na matriz curricular, na disciplina de Matemática, e há estímulo para que escolas participem de iniciativa­s na área. Mas não foram desenvolvi­dos cursos específico­s para capacitar os docentes.

“A Base (Nacional Comum Curricular) não põe o ensino de educação financeira de modo pontual, em uma matéria. É um contexto natural, constante em diferentes áreas.” Ruy Cesar Pietropaol­o COAUTOR DO ATUAL TEXTO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

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GABRIELA BILO/ESTADÃO-28/6/2018 No jornal. Marisa M. Salles, da Bei Editora, em evento

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