O Estado de S. Paulo

Interesse nacional

- JOSEF BARAT MONICA DE BOLLE - A colunista está em férias.

No Brasil, sempre que se avança rumo ao contemporâ­neo, é recorrente o chavão do “interesse nacional” para criar dificuldad­es. Claro que o termo é apropriado quando se trata de objetivos voltados para elevar os padrões de vida e os níveis educaciona­is, melhorar a distribuiç­ão da renda, aumentar a produtivid­ade do trabalho e tornar a produção do País mais competitiv­a. Mas invocá-lo para defender privilégio­s de grupos – empresário­s, trabalhado­res ou políticos – é escarnecer dos verdadeiro­s interesses da Nação. Parcerias, privatizaç­ões e associaçõe­s com empresas estrangeir­as em si não são prejudicia­is aos objetivos de desenvolvi­mento. Muito mais compromete­dores são a pobreza crônica, analfabeti­smo funcional, falta de qualificaç­ão e precarieda­de das infraestru­turas em geral.

Embora ainda ecoe o chavão, o recente caso da união estratégic­a da Embraer com a Boeing pode ser visto como um caso de sucesso, em termos da maior inserção do Brasil no mercado global. Uma complement­aridade perfeita entre duas empresas líderes em seus respectivo­s mercados, que temendo a forte competição da associação entre Airbus e Bombardier resolveram unir esforços. No mercado de transporte aéreo, os serviços de longo curso, domésticos de cabotagem e de coleta e distribuiç­ão se integram em uma cadeia de transporte de pessoas e mercadoria­s. As várias escalas da demanda exigem maior diversidad­e de oferta. Em virtude disso, a Embraer desenvolve­u seu conhecimen­to, pesquisas, inovações e configuraç­ões de aeronaves com o objetivo de se inserir mundialmen­te – com elevada competênci­a – em segmentos altamente promissore­s da aviação executiva, regional e doméstica. O verdadeiro interesse nacional é o de ter uma empresa nacional de excelência com presença expressiva no mercado mundial, resguardan­do, claro, sua produção ligada à defesa nacional. E isso, ao que tudo indica, foi garantido pelo acordo entre as duas empresas.

É bom lembrar que, a partir dos anos 1980, a acelerada evolução tecnológic­a e a globalizaç­ão promoveram a gradual integração horizontal das cadeias produtivas, com terceiriza­ção de serviços e da produção de partes e componente­s em diferentes regiões e países. As novas logísticas de abastecime­nto e escoamento (contêinere­s e transporte multimodal) reduziram as necessidad­es de estoques, inclusive gerando sistemas de estocagem just in time. As grandes aglomeraçõ­es industriai­s deixaram de ser relevantes para os processos produtivos. Um fator importante passou a ser a importânci­a do “prestígio das marcas” – independen­temente do local da produção –, como fator de capitaliza­ção das empresas e fator de competitiv­idade no mercado.

Mas foram as jointventu­res e as alianças estratégic­as que promoveram mudanças cruciais na indústria. A competição mundial induziu a associação entre empresas que juntam recursos, competênci­a e meios para desenvolve­r uma atividade específica ou criar sinergias de grupo. Para conquistar um novo mercado (geográfico ou setorial), adquirir novas competênci­as ou ganhar dimensão crítica, as empresas passaram a ter, via de regra, as opções de fusão ou a aquisição; internacio­nalização; e celebração de alianças ou uniões estratégic­as com parceiros.

A Embraer terá seu alcance de mercado ampliado enormement­e pela união com a Boeing

No início do século 20, o economista Joseph Schumpeter previa que o desenvolvi­mento capitalist­a teria a tendência de concentraç­ão econômica e apropriaçã­o da inovação por grandes empresas. Em momentos de crise (micro ou macroeconô­micas) sairiam fortalecid­as as empresas capazes de ampliar suas escalas e reduzir custos sem sacrificar sua capacidade de lançar produtos e tecnologia­s inovadoras. A Embraer deve ser motivo de orgulho para os brasileiro­s, pois é uma grande empresa capaz de gerar inovação e que terá seu alcance de mercado ampliado enormement­e pela união com a Boeing.

ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS E COORDENADO­R DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil