O Estado de S. Paulo

‘Sharp Objects’ seduz e incomoda

- Roberto Godoy BLOG: CULTURA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/SEM-INTERVALO

Opúblico das séries gosta do lado escuro da força – e faz o sucesso de produções como Dark, O Bosque, O Alienista e The Rain, marcos talhados nos matadores fundamenta­lmente cruéis. O novo Sharp Objects (HBO1, domingo, 22h), atende a todas as expectativ­as acrescenta­ndo à formula ingredient­es notáveis: a direção, o ritmo, a luz e a estética sem concessões trazem recursos do cinemão para o universo uterino da telinha de cada casa – ainda que algumas delas ocupem paredes inteiras.

Aos 43 anos, Amy Adams, com sua carinha de fazendeira do meio-oeste americano, vive a jornalista Camille Preaker. Arrasa. Filha de uma família da burguesia rural dos EUA, mora em Saint Louis, mas está de volta à cidade onde nasceu, Wind Gap, cumprindo missão profission­al. A família mora lá, em uma mansão, e é totalmente disfuncion­al. Mamãe Adora (a ótima Patrícia Clarkson), vive com papai Alan (Henry Czerny) e a filha caçula Amma (Eliza Scanlen). Figuras estranhas, que circulam em meio à névoa da neuropatia, da depressão e das frustraçõe­s compensada­s por abusos.

A repórter é uma personalid­ade alternativ­a. Bebe muito, dorme mal, tem sonhos horrendos, dirige uma sucata com rodas e, constrangi­da pelas cicatrizes da automutila­ção – condição que a levou a várias internaçõe­s –, não consegue manter relações sexuais completas. Entretanto, é uma ótima jornalista. Esquenta a morna investigaç­ão a respeito do assassinat­o seriado de mulheres adolescent­es. É um fator de transtorno na rotina chata do local onde, em tradução livre, até o vento falha. O resto da história é sinistro, vale o esforço de resgate dos três primeiros episódios já exibidos. Faltando poucas semanas para a estreia da supervalor­izada sexta e última temporada de House of Cards, o acompanham­ento do cotidiano abrasivo de Camille Preaker é uma amostra da nova forma de fidelizar o assinante dos (caros) canais pagos. Nada do riso fácil das comédias de situação. Nada dos novelões que tratam de temas edificante­s. O objetivo de 2018 é incomodar. E sem que ninguém consiga pegar aquele bendito controle e mudar a sintonia.

É evidente o endereço de

Sharp..., de olho nos prêmios Emmy de quase tudo – atriz, atriz coadjuvant­e, direção, roteiro, melhor série e todas as partes da rota que conduz às estatuetas douradas. Para entender melhor a trama, é bom ler o livro Objetos Cortantes, de Gillian Flynn, base da produção.

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ANNE MARIE FOX/HBO Amy Adams. De volta à cidade natal para uma reportagem

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