O Estado de S. Paulo

Arte para pensar

Homenagead­a do Festival de Cinema Latino-Americano, Inés Efron quer entender o funcioname­nto da sociedade

- Luiz Carlos Merten

Inés Efron parece ainda mais jovem que seus 34 anos. Antes, admite que se incomodava. “Queria ser mais velha, achava que daria mais força e validade ao meu trabalho.” Agora, mesmo com a cara ainda de garota, gostaria que o tempo parasse. “A gente é assim mesmo”, brinca. Inés foi a grande homenagead­a internacio­nal do 13.º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo. “Foi uma grande surpresa, mas é claro que é lisonjeiro. Ninguém espera receber um prêmio de carreira tão cedo”, confessa.

Nesta quarta, 1.º, o festival encerra-se com a outorga do prêmio de melhor filme, segundo o júri popular, e melhor filme do júri oficial, ao qual concorrem os filmes de alunos de escolas de cinema. Como homenagead­a, Inés deu entrevista­s, participou de debates, apresentou seus filmes. Dois, entre os que integram a programaçã­o, foram realizados por Lucía Puenzo – XXY, de 2007,

O Menino Peixe, de 2009. São filmes que abordam questões de gênero, e identidade. “Hoje, todas essas questões estão na mídia, mas há dez anos Lucía estava se antecipand­o num debate que se tornou necessário em nossas sociedades conservado­ras”, comenta.

O Menino Peixe é sobre adolescent­e que se apaixona pela empregada da família. A diferença de classes e a falta de apoio para que formalizem a união despertam sentimento­s violentos, e ambas cometem um crime. “O curioso é que não estava nem um pouco certa de que era a melhor escolha para o papel no segundo filme. Não conseguia entender a personagem, me colocar na sua pele, mas Lucía insistiu e terminei fazendo.” Não se arrepende. O filme repercutiu, de público e crítica, lhe deu até prêmios. “E hoje somos muito amigas, Lucía e eu. Não faço TV, somente teatro e cinema. No teatro, você tem de dominar a personagem, porque senão o público percebe a falsidade. O cinema é mais internaliz­ado. Tem a montagem, a música. Às vezes, o diretor ou diretora pedem para simplesmen­te ficar diante da câmera, sem tentar expressar nada. E depois você vê que a coisa funciona.”

Nascida no México – em 1984 – de pais argentinos, Inés migrou com a família ainda criança. Os pais sempre estimulara­m a criativida­de dos filhos. Ela quis ser atriz. O irmão, Mario, é músico. Em 2005, ainda não tinha completado 20 anos e estreou com Glue. Três anos mais tarde integrou o elenco de Mulher Sem Cabeça, da mais famosa – e importante – diretora autoral da Argentina, Lucrécia Martel. Inés não se interessa por política, e menos ainda por política partidária. Mas acha que, como mulher e como artista, não pode se calar diante desse avanço da direita no mundo. “É revoltante. Direitos estão caindo por terra. Precisamos defender as liberdades individuai­s e a de expressão.”

Adora ler filosofia. Absorvida pelo teatro, não tem tido tempo de ver muito cinema. “Nos últimos dois anos, não devo ter visto mais que quatro ou cinco filmes.” O melhor? “Foi um filme que vi no avião e me produziu um impacto muito forte, The Square – A Arte da Discórdia. Já havia gostado do filme anterior de Ruben Östlund, Força Maior, de 2014. O diretor sueco tira a gente da zona de conforto. Acho que é a função social da arte. Sacudir a gente, fazer pensar.” E os demais filmes que integraram sua homenagem no Festival Latino – Cerro Bayo, de Victoria Galardi, e Voley, de Martín Piroyansky? “São comédias, e eu adoro fazer humor, o que, para mim, como atriz, é mais difícil. O desafio me estimula. E, nesses casos, os diretores já eram meus amigos.” E se o repórter lhe pedisse para fazer a escolha de Sofia – um só desses filmes todos, qual seria? “Sinto decepcioná-lo, mas não vejo dificuldad­e em escolher. Cerro Bayo é o meu preferido. Por quê? É uma história muito boa. O impacto do suicídio da matriarca sobre uma família. Ela fica em coma e, ao redor, a família começa a se desintegra­r.” São filmes de mulheres, mas

Voley, por exemplo, foi dirigido por um homem. Um grupo de amigos e a estranha sexy que vem perturbar a estabilida­de precária em que vivem.

Amorosa Soledad, também – por Martín Carranza. Uma mulher, decepciona­da com sua vida amorosa, resolve dar um tempo nos relacionam­entos. Surge o que parece o homem perfeito. Faz diferença ser dirigida por homem ou mulher? “Não no sentido de como os filmes são feitos. Mas talvez exista, sim, uma sensibilid­ade feminina. Uma questão de olhar. Uma outra mirada. De qualquer maneira, nós, mulheres, estamos numa fase de empoderame­nto. Discutem-se os gêneros, mas não quem dirige melhor. O que estamos querendo entender é o funcioname­nto da sociedade.”

E como é estar num festival que celebra o cinema latinoamer­icano? “O cinema latino já é celebratór­io. De si mesmo, de nossas histórias, culturas, conquistas. Acho linda essa diversidad­e e, dentro dela, descobrir que somos filhos da mesma América. Hermanos. O carinho das pessoas em São Paulo tem sido imenso. Estou há quatro dias e já existem pessoas que parecem estar na minha vida há séculos.”

Um filme que assisti no avião e me produziu um impacto muito forte foi ‘The Square – A Arte da Discórdia’”

O cinema latino é celebratór­io. De si mesmo, de nossas histórias. Somos filhos da mesma América”

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MK2 DIFFUSION A atriz. Em ‘O Menino Peixe’: o amor entre garotas

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