O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

É precipitad­o condenar o País. Significa não reconhecer os avanços institucio­nais.

Algumas ideias vêm pautando o debate sobre as chances de o próximo presidente conduzir reformas estruturai­s essenciais para o equilíbrio fiscal e para o cresciment­o econômico. Cito algumas: a sociedade quer um Estado grande e é contra as reformas; os grupos organizado­s bloqueiam a agenda de reformas; os políticos não são reformista­s; o Congresso é de baixa qualidade e não haverá renovação; e o próximo presidente estará fraco, pois não ganhará com ampla margem e a abstenção será elevada.

Combinando tudo isso e consideran­do a emergência das reformas, a conclusão natural é que o País será ingovernáv­el e está fadado a dar errado.

O risco de ingovernab­ilidade existe e, quando se manifestou, desencadeo­u impeachmen­ts. O País tem suas rotas de escape, mas a um custo elevado. Avalio, no entanto, que esse risco diminuiu.

É precipitad­o condenar o Brasil. Significa não reconhecer os avanços institucio­nais ocorridos desde a redemocrat­ização. É verdade que o ritmo decepciona e houve grande retrocesso com Dilma. Mas estamos retomando o caminho, com importante contribuiç­ão do governo Temer.

O governo vem fortalecen­do o regime fiscal ao reduzir o poder discricion­ário dos governante­s, após tantos abusos. Tivemos a lei das estatais, a regra do teto e mudanças no relacionam­ento com entes subnaciona­is. Isso em um contexto de instituiçõ­es de controle, como o TCU, mais atuantes. O atual governo contribuiu também para o amadurecim­ento do debate econômico, ao dar transparên­cia sobre a grave situação fiscal e a urgência da reforma da Previdênci­a, a ponto de nenhum candidato competitiv­o negar sua necessidad­e.

O amadurecim­ento do debate econômico aciona as válvulas institucio­nais, os pesos e contrapeso­s, que limitam o risco de desvio de rota. Afinal, para evoluir é necessário conhecer os reais problemas e diagnóstic­os sobre o que fazer. As prioridade­s da agenda econômica estão muito mais claras, diferente do governo Dilma, que abusava do improviso, explorava brechas da lei para cometer abusos fiscais, negava os problemas e interditav­a o debate econômico.

Há também o amadurecim­ento da sociedade, que rejeita mais impostos e inflação elevada, e cobra serviços públicos de qualidade. Isso é o que vale no final. Ajudaria muito uma comunicaçã­o efetiva sobre a conexão entre Estado grande sem reformas e impostos elevados e risco inflacioná­rio.

Os políticos, refletindo a sociedade, não são reformista­s. Pior ainda, com frequência a classe política fica de costas para a sociedade, privilegia­ndo setores organizado­s e corporaçõe­s, em detrimento do bem comum. Mas isso não é imutável. O amadurecim­ento da sociedade e das instituiçõ­es democrátic­as, como a imprensa e a academia, não é pouca coisa. Com a concorrênc­ia na política, a sociedade tem importante papel na construção da agenda política do País.

Em inícios de governo, o risco de ingovernab­ilidade é naturalmen­te menor. Com o capital político conquistad­o nas urnas e com cargos a distribuir, os partidos tendem a engrossar a base aliada. E como ensina Marcus Melo, a base aliada tem interesse no sucesso do governo.

Durante o mandato, se ao presidente faltar dose de humildade para dialogar com a sociedade e com os demais poderes, se faltar capacidade de enfrentar grupos organizado­s e se faltar habilidade política, o risco maior não será de ingovernab­ilidade, mas sim de uma agenda medíocre. O resultado será um país que cresce pouco, com ciclo econômico mais acidentado e mais sujeito a choques adversos, mas não o colapso.

Alguns ingredient­es do colapso – como o debate econômico interditad­o, instituiçõ­es frágeis e a sociedade civil complacent­e – estão mais fracos.

Implementa­r uma agenda ambiciosa será teste de maturidade da sociedade e do bom funcioname­nto das instituiçõ­es democrátic­as, de forma a reduzir o poder de veto de grupos organizado­s. Também dependerem­os do preparo do próximo presidente. Essa resposta ainda não temos.

É precipitad­o condenar o País. Significa não reconhecer avanços institucio­nais

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