O Estado de S. Paulo

Violência coloca em risco primeira eleição pós-Mugabe.

Pelo menos três manifestan­tes morrem e dezenas ficam feridos após Exército reprimir opositores, que acusam governo de fraude eleitoral

- HARARE

A frágil paz que vigorou no Zimbábue depois da queda de Robert Mugabe, em novembro, chegou ao fim ontem. Dois dias depois da primeira eleição no país sem a presença do ex-ditador, forças do governo abriram fogo contra manifestan­tes de oposição na capital, Harare, deixando ao menos três mortos. O conflito começou quando partidário­s do opositor Movimento pela Mudança Democrátic­a (MDC) se juntaram para reclamar da demora na divulgação dos resultados da votação, que ocorreu na segunda-feira.

O surto de violência ameaça o processo eleitoral, visto por muitos como uma chance para o Zimbábue emergir de décadas de isolamento, após 37 anos do governo autoritári­o de Mugabe. O processo eleitoral parecia ocorrer sem problemas e era elogiado por observador­es internacio­nais.

Uma proeminent­e observador­a eleitoral, a ex-presidente liberiana Ellen Johnson Sirleaf, alertou que o atraso no anúncio dos resultados poderia alimentar “suspeitas, tensões e volatilida­de”. “Quanto mais a votação presidenci­al é adiada, menor a confiança da população no processo eleitoral”, disse ela.

Os protestos começaram logo depois do anúncio da vitória do partido governista nas eleições legislativ­as. A União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica (ZANU-PF), ex-partido de Mugabe e do atual presidente, Emmerson Mnangagwa, alcançou dois terços dos lugares no Parlamento. Ficará com 109 cadeiras, contra 41 do MDC, do total de 210.

Segundo os manifestan­tes, a rapidez na divulgação dos resultados para o Legislativ­o contrasta com a demora na apuração do pleito presidenci­al e seria mais um sinal da tentativa do partido do governo de fraudar a eleição. O candidato do MDC, Nelson Chamisa, disse na terça-feira que havia ganhado a disputa.

Apesar de a corrida presidenci­al ter envolvido 23 candidatos, a disputa principal foi entre o opositor Chamisa, um advogado e pastor de 40 anos, e o governista Mnangagwa, de 75 anos, assessor de Mugabe por quase 30 anos e principal articulado­r do golpe militar que forçou o ex-ditador a renunciar, em novembro passado, permitindo que Mnangagwa chegasse ao poder.

Ontem, em meio a uma forte presença policial nas ruas de Harare, a atmosfera tensa se transformo­u em violência. Armados

com varas de metal e pedras, grupos percorrera­m o centro da capital destruindo de semáforos a fachadas de bancos e lojas. A polícia disparou tiros de advertênci­a, canhões de água e gás lacrimogên­eo na tentativa de dispersar as multidões.

Segundo o jornal Washington Post, que acompanha a eleição em Harare, o exército chegou cerca de uma hora depois do começo do conflito e transformo­u a cidade em uma zona de guerra, disparando munição real contra uma multidão reunida em frente à sede do MDC. Dezenas ficaram feridos.

Em declaração divulgada pela mídia estatal, Mnangagwa disse que a oposição é a responsáve­l pelo caos “que deve atrapalhar o processo eleitoral”. Logo depois da eleição, Chamisa reclamou que muitos de seus partidário­s foram impedidos de votar.

O MDC se disse “chocado” com o que aconteceu em Harare. “Estamos seriamente querendo saber o que isso significa. Estamos em guerra?”, questionou Tendai Biti, porta-voz do MDC.

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MIKE HUTCHINGS/REUTERS Brutalidad­e. Soldados espancam apoiador de partido de oposição que protestava em frente a sede do Movimento pela Mudança Democrátic­a, em Harare

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