O Estado de S. Paulo

O primeiro ato da campanha de 2019?

- Carlos de Angelis É SOCIÓLOGO E PROFESSOR DA UNIVERSIDA­DE DE BUENOS AIRES

Oscar Centeno era só o motorista de um funcionári­o público de alto escalão, Roberto Baratta. Este, por sua vez, era subsecretá­rio de Coordenaçã­o e número 2 do ministro do Planejamen­to Julio De Vido, o homem que comandou a distribuiç­ão de obras públicas nos 12 anos de governos kirchneris­tas.

Centeno tinha um hábito muito particular: anotar absolutame­nte tudo o que ocorria em seu trabalho, em uma caligrafia apertada. Primeiro escrevia em rascunhos e logo passava o texto para caderninho­s. Foram oito, no total. O que anotava? Três coisas: as rotas que percorria durante o dia (local de partida e chegada), quem transporta­va no veículo oficial que conduzia e, principalm­ente, o que levava. Segundo esses cadernos, eram bolsas cheias de dinheiro.

As planilhas de Centeno cobrem o intervalo entre 23 de março de 2005 e 3 de novembro de 2015, com algumas lacunas. A partir desses registros, o juiz federal Claudio Bonadío decidiu ordenar a prisão de importante­s ex-funcionári­os públicos kirchneris­tas, além de Baratta (que já tinha passado pela prisão) e do motorista. Também há um pedido para que a senadora e ex-presidente Cristina Kirchner deponha.

O mais inusual nesta ação, para os parâmetros argentinos, é a prisão de importante­s empresário­s, uma exigência insistente de parte da sociedade. Um dos pedidos de detenção preocupa em especial o governo, o de Javier Sánchez Caballero. Ele é ex-gerente general de Iecsa, empresa de Ángelo Calcaterra, primo do presidente Mauricio Macri e muito próximo do patriarca, Franco Macri.

A operação causou uma batalha nas redes sociais. Muitos creem que este é o primeiro ato da campanha eleitoral de 2019. A primeira pergunta é se o caso pode retirar definitiva­mente Cristina do jogo eleitoral ou reduzir seu caudal de votos. Ela tem aparecido em destaque nas pesquisas numa possível disputa com Macri. Uma vertente de analistas crê que ela já sofreu todo desgaste possível por corrupção e essa eleição será decidida pelo bolso dos argentinos.

Se o juiz Bonadío avançar realmente até o final na chamada Lava Jato argentina, pode se transforma­r em um Mani Pulite. Como o italiano dos anos 90 que arrasou o sistema político e começou um novo reinado, o de Silvio Berlusconi.

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