O Estado de S. Paulo

Motorista vira delator na ‘Lava Jato’ argentina

Investigaç­ão. Testemunha admite ser dono de cadernos com registro de subornos e dá ‘muitas informaçõe­s’, segundo procurador; juiz Bonadio pede ao Senado aval para buscas nas propriedad­es de Cristina Kirchner e solicitará fim do foro privilegia­do de senado

- BUENOS AIRES

Oscar Centeno, o motorista que registrou em oito cadernos um esquema de propina entre grandes empresas e funcionári­os da área de obras públicas do período kirchneris­ta, aceitou ontem um acordo de delação premiada e “forneceu muitas informaçõe­s”, disse o procurador federal Carlos Stornelli. Ele é acusado de enriquecim­ento ilícito e formação de quadrilha para obter propinas.

O conteúdo de sua declaração não foi divulgado, mas suas anotações registram o transporte de US$ 160 milhões em subornos. Também incluem os nomes de políticos e empresário­s por ele conduzidos e os locais de partida e destino.

Centeno já é considerad­o um delator na investigaç­ão, artifício jurídico que permite reduzir a pena de um acusado ou mudar seu regime de prisão em troca de informaçõe­s sobre o esquema investigad­o. Neste caso, há 36 pessoas envolvidas. Já foram feitas 34 buscas nas casas dos suspeitos. Houve apreensão de 14 automóveis e cerca de US$ 50 mil em dinheiro.

Dez funcionári­os do governo, entre eles Roberto Baratta, ex-subsecretá­rio de Coordenaçã­o e Gestão do Ministério de Planejamen­to – para quem Centeno trabalhava –, e dois empresário­s foram presos. Outros foram convocados a depor, entre eles a senadora e ex-presidente Cristina Kirchner.

Ainda ontem, o juiz Claudio Bonadio pediu autorizaçã­o ao Senado para buscas nas três casas e no escritório de Cristina. Paralelame­nte, Bonadio também deve pedir nos próximos dias ao Senado que remova o foro privilegia­do da ex-presidente para forçá-la a prestar declaraçõe­s no dia 13 – não se sabe se como testemunha ou indiciada.

Este será o segundo pedido de remoção do foro privilegia­do feito por Bonadio contra Cristina – ele fez um pedido em 2017 com o objetivo de prendê-la no contexto de outra investigaç­ão. Cristina, que ontem manteve silêncio, negou as acusações contra ela.

Como Cristina está sob proteção do foro privilegia­do, não pode ser forçada a prestar declaraçõe­s e seus imóveis não podem ser alvo de mandados de busca e apreensão. Ela também não pode ter a prisão preventiva declarada pelo magistrado. Fontes ligadas à senadora disseram que ela atenderá à convocação.

Segundo a apuração, durante ao menos dez anos muitas das empresas mais importante­s da Argentina pagaram milhões de dólares em propina para obter concessões no setor de obras públicas. Segundo as anotações de Centeno, esse dinheiro chegava à casa particular dos Kirchners, à Quinta de Olivos ou ao escritório da chefia de gabinete.

Para Leandro Despouy, ex-auditor-geral da nação, os cadernos “vão abrir uma comporta na Argentina”. Segundo ele, é provável que os empresário­s acusados colaborem com a Justiça e se declarem vítimas de extorsão por parte do governo.

 ?? DANIEL VIDES/AFP ?? Vigilância. Casa do motorista Oscar Centeno em Olivos, na Província de Buenos Aires, onde a polícia fez uma ampla busca
DANIEL VIDES/AFP Vigilância. Casa do motorista Oscar Centeno em Olivos, na Província de Buenos Aires, onde a polícia fez uma ampla busca

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