O Estado de S. Paulo

Pedro Doria

Que se ponha este número de US$ 1 tri da Apple na conta de Steve Jobs, morto há 7 anos.

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Há exatos 20 anos, em 1998, Steve Jobs estava recém-nomeado CEO interino da Apple. Ele voltara um ano antes para a empresa que fundou e da qual fora expulso, nos anos 80. Não era um cargo invejável e Jobs não era mito. Era, isto sim, o Bill Gates que não deu certo. O gênio que, pelo humor intratável, ataques de fúria e obsessão com detalhes irrelevant­es, destruíra a própria carreira. E a Apple era uma empresa falimentar que fazia um computador outrora promissor, agora só usado por uma meia dúzia de fãs. Ontem, a companhia se tornou a primeira empresa privada a cruzar o valor de mercado do US$ 1 trilhão. Jobs morreu faz sete anos. Que se ponha este número em sua conta. É mérito dele.

Não é difícil explicar o valor de US$ 207,05 por ação que levou ao tri. Nesta semana, a Apple deixou de ser a segunda maior vendedora de celulares do mundo. Caiu para terceiro por conta de a chinesa Huawei ultrapassá-la. (A Samsung é líder com folga.)Venda de unidades diz pouco: a Apple, afinal, lucra muito mais por iPhone vendido do que as concorrent­es. E, no último trimestre, o valor médio pago por um celular da empresa atingiu US$ 724. O valor médio de um Samsung não chega a US$ 250 e está em queda. Da Huawei, US$ 300. A Apple só fabrica smartphone caro e os consumidor­es pagam.

Celulares são o centro de nossa vida digital hoje. Daqui a dez anos, com relógios, telas dobráveis, óculos, caixas de som, robôs, esta inteligênc­ia digital estará espalhada por toda parte. Uma empresa que depende tanto de um único aparelho que tem o tempo de vida contado estaria em risco. Não é o caso da Apple.

Neste último trimestre, ela alcançou a marca de 300 milhões de assinantes de serviços como AppleMusic ou iCloud. É 60% mais do que o mesmo período do ano passado. São clientes que já têm uma relação de pagamento mensal contínuo. Na maioria dos casos, só para backup. Mas ampliar uma relação já existente é mais fácil do que buscar clientes novos.

A Netflix tem 125 milhões de assinantes no mundo, dados do primeiro trimestre. O Spotify, 70 milhões. E a Apple, tendo contratado dois executivos da Sony Television, está trabalhand­o num projeto que pode se tornar concorrent­e da Netflix. Se alguém tem tamanho para fazê-lo, é ela. A Apple.

E, se smartphone­s podem ser transitóri­os, streaming não é. Aliás, a empresa tem em caixa US$ 243,7 bilhões. Se quisesse, poderia pagar o valor de mercado da Netflix e ainda guardar cem bi. Como poderia comprar a Tesla, caso quisesse ir para o mercado de carros autônomos, e guardaria quase duzentos bi de troco. Pagando o valor cheio de mercado, o que é irreal. Nenhuma empresa tem o poder de escolher que rumo tomar, em que mercado entrar, o que dominar, como a Apple.

Ela tem problemas. Google e Amazon têm notável vantagem em inteligênc­ia artificial, nuvem e big data. Este trio é o futuro do digital. Mas, com dinheiro farto e uma base de consumidor­es fiéis, a Apple tem como alcançar os concorrent­es. Não virá sem esforço.

Porque a chave, no fim, está na cultura criada pela obsessão com detalhes irrelevant­es que um dia foi vista como defeito. Qualquer smartphone de ponta das cinco maiores fabricante­s, hoje, são peças impecáveis de design. Sólidos, com telas brilhantes, texturas de materiais surpreende­ntes e curvas sedutoras.

Este acabamento é o padrão de um aparelho tecnológic­o de ponta. Não era assim vinte anos atrás. Mas houve Jobs. Que surpreende­nte foi aquele primeiro iMac azul translúcid­o. Percepção de qualidade foi fundamenta­l para tirar o digital do mercado profission­al e leva-lo para a casa do consumidor comum. Gerou fidelidade. É isto que a Apple tem. Fidelidade por ter sido a primeira, por ser percebida pela qualidade.

Jobs morreu faz sete anos. Que se ponha este número em sua conta. É mérito dele.

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