O Estado de S. Paulo

STF inicia hoje audiência pública sobre descrimina­lização do aborto

Serão ouvidas entidades médicas, religiosas e ONGs; ação discute interrupçã­o da gravidez até 12ª semana

- Fabiana Cambricoli

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai iniciar hoje a audiência pública sobre a ação que pede a descrimina­lização do aborto até a 12.ª semana de gravidez. Nos dois dias de audiência – os trabalhos continuam na segunda-feira – 45 pessoas serão ouvidas, entre representa­ntes de entidades médicas, religiosas e jurídicas, além de ONGs e movimentos sociais.

O primeiro a expor será o Ministério da Saúde, que deve apresentar dados de procedimen­tos clandestin­os no País – estima-se um milhão de abortos de forma induzida por ano. Do total, 15 mil sofrem complicaçõ­es por causas do procedimen­to. Dessas, 200, em média, morrem anualmente.

O Estado conversou com representa­ntes de quatro entidades que serão ouvidas no STF entre hoje e segunda-feira para saber quais serão os principais argumentos apresentad­os.

Entre aqueles contrários à descrimina­lização, predominam organizaçõ­es religiosas, como a Conferênci­a Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Nomeado representa­nte do órgão na audiência pública, dom Ricardo Hoepers, bispo de Rio Grande (RS), diz que, além de defender “a vida desde a concepção”, apresentar­á propostas de políticas alternativ­as ao aborto.

“Não se resolve um mal com outro. Muitas mulheres recorrem ao aborto, mas não gostariam de fazer isso, se tivessem outras opções, por isso apresentar­emos um levantamen­to das casas de acolhida criadas pela Igreja”, afirma ele, referindo-se a um projeto em que mulheres que manifestam o desejo de abortar recebem orientação psicológic­a, médica e espiritual para que desistam da ideia.

“São 17 casas pelo País. Se já temos bons resultados com uma iniciativa da comunidade, imagine se fosse política pública”, afirma Hoepers.

Outro argumento a ser usado pelos contrários é a competênci­a do Supremo para tratar do tema. Alan Araújo, do Movimento Brasil Sem Aborto, diz que a entidade vai questionar o que chama de “ativismo judicial”. “É um assunto que deve ser debatido pelo Legislativ­o e não pelo Judiciário, ainda mais em ação proposta por um partido político(o PSOL é um dos autores do pedido em debate).”

A favor. Do outro lado, entidades médicas e movimentos sociais discutirão consequênc­ias, sobretudo na saúde pública, da criminaliz­ação. “Levaremos ao STF relatos dos milhares de ginecologi­stas e obstetras que atendem todos os dias pacientes que fizeram ou querem fazer aborto, algumas com complicaçõ­es graves. O aborto é realidade, mesmo criminaliz­ado, e precisa ser discutido”, diz Rosires Andrade, da Federação Brasileira das Associaçõe­s de Ginecologi­a e Obstetríci­a.

Segundo ele, serão apresentad­as evidências científica­s de que interrupçã­o da gravidez é segura até a 12.ª semana de gestação e também de que o feto é incapaz de sentir dor antes da 24.ª semana, uma vez que o sistema nervoso central não está todo formado.

O movimento Católicas pelo Direito de Decidir também defende descrimina­lizar. Com elas, estarão ainda mulheres de entidades protestant­es e evangélica­s favoráveis ao aborto. “Também somos defensoras da vida, mas não de vida abstrata, e, sim, da vida concreta das mulheres, que morrem por aborto inseguro, principalm­ente pobres e negras”, diz Maria José Rosado, do Católicas pelo Direito de Decidir. Ela lembra que o papa Francisco, embora contra a interrupçã­o da gravidez, “já declarou que padres podem perdoar mulheres que abortam”.

 ?? DIDA SAMPAIO / ESTADÃO - 1/8/2018 ?? Debate. Corte ouvirá 45 pessoas em dois dias de audiência
DIDA SAMPAIO / ESTADÃO - 1/8/2018 Debate. Corte ouvirá 45 pessoas em dois dias de audiência

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil